Ao ler, seis semanas atrás, notícias de que embaixador Roberto Azevêdo avançava na disputa por comando da OMC, presidente mandou chamá-lo de Genebra à Brasília; "O que o sr. precisa?", perguntou-lhe Dilma Rousseff, em apoio; "Voar muito e três assessores", respondeu o candidato; presidente, então, deu ordens para atendê-lo e determinou que coordenação de campanha fosse feita por ministro Fernando Pimentel; chanceler Antônio Patriota levou reprimenda por não informar antecipada e corretamente o quadro; triunfo brasileiro abate mitos de país comercialmente fechado, sem liderança política internacional e estrategicamente errático; mídia tradicional apostou na derrota e perdeu mais essa
7 DE MAIO DE 2013 ÀS 21:03
Marco Damiani _247 – Vai ser preciso muita miopia factual, como dizer que a Organização Mundial do Comércio é um organismo irrelevante, para minimizar a importância da vitória do embaixador brasileiro Roberto Azevêdo sobre oito candidatos e, na rodada final, nesta terça-feira 7, o mexicano Herminio Blanco, num plenário composto por representantes de 159 países.
No dia a dia da OMC, em Genebra, os países têm de prestar contas de suas políticas de exportação, importação e subsídios, expõem seus conflitos em detalhados panels oficiais, são rotineiramente julgados e podem receber multas bilionárias ou recuperar prejuízos espetaculares. Irrelevantes, ali, nem mesmo as poltronas em que os embaixadores comerciais do mundo todo se sentam para combinar suas estratégias, formatar alianças, eleger adversários e somar apoios.
Impulsionada a partir de uma atitude pessoal e enérgica da presidente Dilma Rousseff, como apurou 247, a vitória de Azevêdo derruba mitos ora fabricados, ora amplificados pela mídia tradicional pátria, segundo os quais o Brasil é um País comercialmente fechado, sem liderança no chamado concerto das nações, aferrado a causas perdidas e sempre, portanto, ultrapassado pela supremacia do Hemisfério Norte, nos acordos EUA-União Europeia, dentro dos organismos multilaterais.
O momento decisivo da vitória brasileira, saudada, como era de se esperar, em nota oficial do governo brasileiro, aconteceu há menos de dois meses. O ambiente foi a sala da presidente da República no terceiro andar do Palácio do Planalto. Pela imprensa, a presidente Dilma Rousseff ficou sabendo que o embaixador Azevêdo estava avançando na disputa para se tornar diretor-geral da OMC, batendo os primeiros adversários. Chamou, então, o chanceler Antonio Patriota para obter informações oficiais. Sem obter um relato que considerasse completo, Dilma convocou o próprio Azevêdo à Brasilia, para saber diretamente dele o que estava, enfim, acontecendo de concreto. Na reunião com ele, da qual participou, além do chanceler, o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, Dilma dirigiu-lhe uma pergunta direta.
- O que o sr. precisa para ir adiante?
- Voar muito e três assessores, respondeu, objetivamente, o quadro do Itamaraty que há oito anos desempenha funções estratégicas no corpo da OMC.
Imediatamente, na versão acreditada por 247, a presidente deu ordens para que o embaixador fosse atendido. E surpreendeu, de uma certa maneira, ao designar o ministro Pimentel, e não o chanceler Patriota, para dar-lhe apoio no cotidiano da campanha.
- O sr. resolva o que for preciso com o ministro, determinou Dilma, apontando para seu parceiro de confiança de longa data.
A partir daquele momento, a presidente não mais perdeu de vista o desempenho do candidato brasileiro, antes tratado como "mais um dos muitos assuntos" do Itamaraty. Não foi por outro motivo que, nestaa terça-feira 7 em que a vitória "por expressiva maioria" se deu, de acordo com expressão usada na nota oficial da presidente, Pimentel fez declarações públicas antes que Patriota, atrasado em relação à hora marcada de 15h30, desse uma entrevista coletiva, em Brasília, para comentar o feito. Pimentel frisou que a vitória não foi do Brasil, mas de toda a OMC. Em sua nota, a presidente Dilma reafirmou o mesmo raciocínio.
Com posse marcada para 31 de agosto, mandato de quatro anos e direito a tentar uma reeleição, o embaixador Azevêdo passa a ser a encarnação do fim de uma série de mitos. Ainda é comum, nas explicações dadas pela mídia tradicional para o que chama de isolamento do Brasil no cenário do comércio internacional, a alegação de que o País é fechado. Tanto não é assim que, além de dezenas de votos de parceiros de negócios, necessários para a construção das várias maiorias até a última rodada da eleição, há, ainda, a situação da balança comercial brasileira. No mês passado foi apontado um déficit entre o que o País vendeu e o que comprou do exterior de US$ 914 milhões. Isso mostra que continua-se a comprar, por aqui, de alfinetes a carros de luxo. Pode-se não gostar dessa política, mas não dá para dizer que ela não é aberta – exatamente como pede o Brasil, em todos os organismos multilaterais que existem, como reciprocidade para o resto do mundo, em especial os países centrais.
No mesmo país em que um chanceler, o embaixador Celso Lafer, aceitou tirar os sapatos para pisar em solo dos EUA, assumindo a tese de que poderia ele próprio ser um suspeito de contrabandismo ou terrorismo, criou-se o mito de que a nossa diplomacia, com o PT no poder, só se agarra a causas inúteis e previamente derrotadas. Decididamente, não é assim. A mudança de postura em relação à diplomacia praticada no período do PSDB no poder – por sua vez em tudo diferente da que foi exercida nos governos anteriores de José Sarney e Fernando Collor (com Itamar Franco, o próprio Fernando Henrique foi o ministro das Relações Exteriores, plantando as sementes do que brotaria em sua gestão) - é nítida. Mas não por isso é pior.
A partir de Lula presidente, em 2002, os jocosamente chamados "barbudinhos" do Itamaraty -- considerados mais à esquerda -- voltaram aos cargos mais importantes, resgatados de embaixadas distantes e postos menores. O novo chanceler, Celso Amorim, ele próprio um militante nacional dentro da OMC, resgatou os tempos de independência do Itamaraty em relação, especialmente, aos Estados Unidos. Essa independência foi garantida até mesmo durante a ditadura militar, com os chanceles Azeredo da Silveira e Saraiva Guerreiro. Naqueles dois lustros praticamente inteiros, o Brasil firmou-se por suas posições somadas aos países que eram conhecidos como não-alinhados. Apoiava pleitos do continente esquecido, a África, advogava por nações árabes, além de negociar francamente com elas, e nunca teve medo da China, então inatingível diplomaticamente.
Outro mito que cai agora é o da diplomacia que nunca ganhou nada ao ser independente das ordens americanas, sejam as transmitidas pelo belicista Richard Nixon, nos anos 1970, ou pelo mantenedor de práticas antigas Barack Obama, agora. A vitória de Azevêdo mostra que ter posição nítida, plural e multilaterista no cenário global, em busca de valores permanentes, e não da vantagem imediatista ou da promessa de proteção, sim, compensa.
O embaixador Azevêdo é prova viva de que a estratégia que aqui, entre a maioria dos comentaristas do setor internacional, parecia fadada ao fracasso ad infinitum, pode trazer frutos muito vistosos. Ele foi o comandante das vitoriosas batalhas brasileiras contra os subsídios dos EUA ao algodão e da União Europeia sobre o açúcar. Ao despertar a furia dos ricos, ganhou-se a admiração dos pobres. Sem soberba, porém, a recuperada diplomacia brasileira soube, ainda, costurar apoios também entre os países centrais. A divulgação do número de votos dados a Azevêdo, marcada para a quarta-feira 8, vai deixar mais claro o quanto conquistou-se nessa área mais espinhosa.
Cai, ainda, o mito do comentarista internacional. Não foram poucos, na mídia tradicional, que apostaram na derrota brasileira. A cobertura da batalha que se alongou, até ontem, por meses, foi pífia. E tanto pareceu menor quanto mais crescia o quixotesco Azevêdo. Agora, não importa se os jornais, revistas e tevês brasileiras vão acompanhar de perto do desempenho dele a partir de agosto. O mundo irá.
fonte: Brasil 247