sábado, 1 de outubro de 2011

PROFESSORES DA FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE PROTESTAM CONTRA A PRESENÇA DE MARCO MACIEL



 
Maciel  é o da extrema direita


Conversa Afiada recebeu o seguinte e-mail do ZCarlos:  


Olá Geórgia, tudo bem?

Na próxima segunda-feira, dia 03/10, o salão nobre da Faculdade de Direito do Recife será reaberto em comemoração aos 100 anos do prédio histórico. O convidado para proferir uma palestra alusiva à data foi o ex-senador Marco Maciel e isso virou motivo de polêmica.  Alguns professores ameaçam boicotar a solenidade porque Marco Maciel foi aliado do governo militar.

O convite ao ex-senador para palestrar ensejou o envio de uma carta à diretora da Faculdade, Luciana Grassano, e aos colegas docentes, pela professora Larissa Maria de Moraes Leal. 

Veja aqui, porque vale a pena ler.

Bom trabalho e boa sorrrte!

zcarlos

Carta Aberta à Diretora da Faculdade de Direito do Recife


Cara Diretora do CCJ – UFPE – Faculdade de Direito do Recife, Profa. Dra. Luciana Grassano


Caros colegas docentes,


Cumprimentando-os cordialmente, venho, preliminarmente, parabenizar nossa Diretora, Profa. Luciana Grassano, por mais este importante passo na restauração de nossa casa, o prédio da Faculdade de Direito do Recife. Um trabalho primoroso, bem conduzido e realizado que, sem dúvidas, nos trouxe mais que conforto. Temos, atualmente, a satisfação de exercermos nosso ofício em um edifício dotado da dignidade que sempre lhe foi devida. O cuidado deferido à nossa edificação tem reflexos largos, porquanto seja toda a sociedade beneficiária do resgate de integridade desse patrimônio histórico. Assim, registro meus agradecimentos sinceros e fraternos, bem como o meu reconhecimento.


Por ocasião da Solenidade de Reabertura do Salã o Nobre, venho, ainda que comprendendo a circunstância de absoluta felicidade institucional, registrar meu singelo e firme protesto referente ao Conferencista brindado pela ocasião. Foi no Salão Nobre que muitos de nós defenderam suas dissertações de mestrado, teses de doutorado, assistiram e participaram de debates acalourados; foi também neste salão que, em várias situações, professores e alunos reuniram-se simplesmente para exercerem o seu legítimo direito de pensar, dialogar e dar máxima expressão à própria idéia sobre a qual construimos, diariamente, a nossa Faculdade.


Todos esses fatos fazem parte da história da Faculdade de Direito do Recife, tão bem contada pelo saudoso Prof. Dr. Gláucio Veiga. No volume 2 de sua obra sobre a história das ideias, das ações e do papel de nossa Faculdade, Prof. Gláucio dedicou seu trabalho a todos aqueles que morreram porque ousaram pensar. Em tempos difíceis, nossa Faculdade representou, ao menos no imaginário de muitos, um oásis onde era possível pensar! Entrementes, sabemos que, nesses mesmos tempos, pensar na Faculdade tornou-se algo perigoso. Sob as vistas dos ditadores, foram os professores e alunos da Faculdade vítimas preferenciais de restrições e toda sorte de agressões a direitos humanos.

Esses tempos, infelizmente, são reféns de nossa memória. É em nome dessa memória – que não podemos negligenciar – que apresento meus protestos referentes à eleição do ex-senador Marco Maciel como conferencista da ocasião de reabertura do Salão Nobre da Faculdade. Entendo, com meus botões, que sua presença, em condição tal de honraria – e acredito ser de honra extrema proferir conferência no Salão Nobre da Faculdade de Direito do Recife, em sua reabertura – fere a memória viva de lamentáveis fatos ocorridos na própria Faculdade no final da década de 60 e durante a década de 70. Fere diretamente professores da casa, que, então, foram perseguidos porque pensavam; fere professores que foram, inclusive, expulsos de casa, para tornarem-se estrangeiros em busca de Justiça em outros países, exilados da Faculdade; fere a mim, pessoalmente, que vivenciei a potencialidade lesiva da ditadura, e convivo com fotos de parentes que sequer tive oportunidade de conhecer, em cartazes de busca por desaparecidos afixados em nosso prédio . Fere, por fim, em minha opinião, todos os nossos alunos que, sem experiências pessoais sobre esse período tenebroso, precisam de nossas memórias e de nossa voz para conhecerem esse mal absoluto que é a restrição da liberdade.


Não tenho nenhuma queixa pessoal dirigida ao ex-senador Marco Maciel para apresentar aqui. O que tenho é a convicção e o conhecimento de sua trajetória política; nos tempos em que convivemos com a divisão entre ditadores e cidadãos, sei que nossa Faculdade ficou aliada aos cidadãos, postura contrária do Conferencista convidado.


Por certo, como acadêmica, não devo ter preconceito com ideias. Mas a distância no tempo, pouco mais de 30 anos, apenas o tempo de minha vida, não pode ser suficiente para apagar de nossa história e memória o passado a que aludi.


Se, durante a ditadura, o maior desafio do cidadão era pensar e manifestar-se, hoje, penso eu, o que mais nos constrange é o dever de não calar, de não tolerar por comodidade e de não negligenciar nosso legado. São tempos diferentes, é claro. Os protestos desapareceram para dar lugar ao individualismo e à busca de conquistas patrimoniais. Não há voz nas ruas ou nas praças. É o silêncio obsequioso, chamado de tolerância, que incomoda alguns poucos legatários de tanto sofrimento do passado.


Meu protesto, portanto, segue as diretrizes atuais: infelizmente a presença do conferencista constrange a mim, em tão alta medida, que não me permitirá participar desse momento histórico. Protesto por meio dessas palavras, de minha ausência e de um pedido. Se algum documento resultar da solenidade da próxima segunda-feira, dia 03 de outubro, solicito que minha ausência seja registrada como forma de protesto silencioso e pacífico.


Eu não sei se nós teremos os benefícios de, dentre nós, haver um novo docente dedicado a contar a história da Faculdade de Direito do Recife, como fez o Prof. Gláucio Veiga; mas, se houver, os relatos da próxima segunda-feira farão o histórico dos fatos passados nas décadas de 60 e 70 do século XX darem uivos de terror… o terror da superação das ideias e da liberdade pelo tempo; o terror da negligência da história dos que se foram, em nome do que agora está.


Cordialmente,


Profa. Dra. Larissa Maria de Moraes Leal.


Fonte:  Conversa Afiada

FERNANDO MORAIS: "BLOQUEIO É UMA METRALHADORA APONTADA PARA CUBA"


Felipe Prestes

O jornalista Fernando Morais captou Cuba em dois momentos absolutamente diferentes. Em 1976, Morais escreveu a “A Ilha”, obra que o celebrizou e abriu as portas para sua carreira como autor de grandes reportagens em livro. Naquele momento, o repórter encontrou o socialismo funcionando a pleno vapor, com pouquíssimos descontentes.

O livro que acaba de lançar, “Os Últimos Soldados da Guerra Fria”, se passa na década de 1990 e mostra uma Cuba em fortíssima crise econômica decorrente do fim da União Soviética. Um país que se tornou um prato cheio para as dezenas de organizações anticastristas chefiadas por cubanos radicados na Flórida, que incentivavam e auxiliavam os conterrâneos que desejavam deixar a ilha. Com aviões a seu dispor, estas organizações se tornavam cada vez mais ameaçadoras para Cuba, desrespeitando totalmente o espaço aéreo do país, com voos despudorados sobre Havana.

Neste contexto, o governo cubano inicia a Operação Vespa, que consistiu no envio de 14 espiões que se infiltraram nestas organizações anticastristas. Morais começou a pensar o livro no mesmo dia em que dez destes espiões foram descobertos pelo FBI e presos, em 1998. “Eu comentei com a minha mulher: ‘Aqui tem um livro’”. O escritor solicitou documentos secretos ao governo cubano em seguida, mas só os obteve em 2005. A pesquisa, que incluiu 40 entrevistas, teve início em 2008.

Fernando Morais ainda revela profunda admiração pela Cuba revolucionária, que já não funciona tão bem quanto a que mostrou em “A Ilha”. “Relembro sempre do outdoor, que acho muito forte, que foi colocado na entrada de Havana quando o Papa João Paulo II esteve lá em 1998: ‘Nesta noite 200 milhões de crianças vão dormir na rua em todo o mundo. Nenhuma delas é cubana’”, diz.

Na última quinta-feira (29), Morais veio a Porto Alegre para um debate sobre “Os Últimos Soldados da Guerra Fria” e conversou por cerca de 50 minutos com o Sul21 no restaurante do hotel em que estava hospedado. O jornalista defendeu as “correções de rumo” que estão sendo feitas na economia cubana e explicou que o bloqueio econômico que os Estados Unidos impõem a Cuba é muito mais prejudicial dos que as pessoas costumam pensar.  ”É uma metralhadora apontada para a cabeça da economia cubana”, afirma. Morais também falou sobre jornalismo, regulação da mídia e revelou quais podem ser seus próximos livros.

Sul21 – Quando tu escreveste “A Ilha”, na década de 1970, Cuba era quase a realização de uma utopia, as coisas davam muito certo. Em “Os Últimos Soldados da Guerra Fria”, que se passa na década de 1990, Cuba já está em uma situação econômica muito ruim. Como tu avalias a diferença entre o país nestes dois momentos?

Fernando Morais – Havia uma dependência muito grande com a URSS. Cuba era quase um país da chamada Cortina de Ferro. Mantinha um nível de independência política muito grande, mas do ponto de vista econômico era um grau de dependência enorme. Quando acaba a URSS, a economia cubana sofre um baque que torna a sobrevivência da Revolução uma coisa milagrosa. Só se explica mesmo pela garra do povo cubano. O PIB desabou em 75%. Quando o PIB de um país cai 4 ou 5%, um presidente arranca os cabelos. Eles tiveram que fazer mágica para sobreviver. O inacreditável de tudo isto é que, apesar desta tragédia econômica, passados 20 anos do fim da URSS, dados recentes mostram que Cuba é o único país do Caribe e da América Latina que não tem mais desnutrição infantil. Zero. A taxa de mortalidade infantil é de 4,5 por mil. A dos Estados Unidos é de oito por mil. A do Brasil é de 22 por mil. Em São Paulo é de 11 por mil. No debate sobre o livro em Curitiba me perguntaram como eu continuo solidário à Revolução Cubana. Eu cito estes números e relembro sempre do outdoor, que acho muito forte, que foi colocado na entrada de Havana quando o Papa João Paulo II esteve lá em 1998: “Nesta noite 200 milhões de crianças vão dormir na rua em todo o mundo. Nenhuma delas é cubana”. É isso.

Sul21 – Imagino que tenham questionado no debate o fato de o poder estar concentrado com Fidel Castro e agora com seu irmão, o que muitos consideram uma ditadura.

Fernando Morais – É um país em guerra com a maior potência bélica do planeta. Não sei que cidade está a 160 quilômetros de Porto Alegre, para que as pessoas tenham a noção da distância entre Cuba e os Estados Unidos. E não é uma ameaça retórica. É real. Acho que não tem mais ninguém ingênuo depois que os americanos deram a volta no planeta para invadir o Iraque e o Afeganistão e do que fizeram agora na Líbia. Independentemente se Kadafi era um ditador ou não, eles atravessam o planeta e vão matar gente em um lugar que eles não sabem nem a língua. Se você der um mapa-múndi para os americanos, 99% não sabem onde ficam estes países. Os cubanos não são ingênuos de supor que estão a salvo de uma agressão militar, até porque já houve na Baía dos Porcos. Quando o Brasil entrou na Segunda Guerra, Getúlio baixou no dia seguinte leis que proibiam japoneses, alemães e italianos de falar seus idiomas na rua, de ler livros em suas línguas. Está havendo muita mudança econômica em Cuba. Raúl está corrigindo muita cagada que eles fizeram no começo. Agora, não acredito que haverá alguma mudança política enquanto não acabar o bloqueio econômico.

Sul21 – Como tu estás vendo estas mudanças econômicas?

Fernando Morais – São correções de rumo. Me lembro que nas primeiras vezes em que fui a Cuba, quem cortava seu cabelo era um barbeiro estatal. Você tinha uma unha encravada, tinha que arrumar um podólogo estatal. Não tinha nada que não fosse estatal. Um caso célebre é de uma empresa que era muito famosa que se chamava El Rey de la Papa Frita, que tinha centenas de quiosques em todo o país. Foi estatizada. Eles criaram um mecanismo em um ministério para cuidar da El Rey de la Papa Frita. Não podia dar certo. Foi uma revolução de um radicalismo só visto na Revolução Russa de 1917. Hoje está nos jornais que as pessoas podem comprar e revender carros. As pessoas já podem abrir pequenos negócios. Agora, saúde e educação continuam sendo de responsabilidade do Estado, nisto não se mexe. Cuba não vai voltar a ser puteiro dos Estados Unidos nunca.

Sul21 – O título do livro fala em últimos soldados da Guerra Fria. Mas pela nossa conversa, percebe-se que na verdade esta guerra ainda não acabou.

Fernando Morais – Eu acho que ali foi o último episódio da Guerra Fria. Na verdade, é um anacronismo. A Guerra Fria acaba no dia em que acaba a URSS. Os Estados Unidos perderam o inimigo que alimentava isto. No entanto, ali no Caribe havia um microcosmo onde a Guerra Fria se mantinha.

Sul21 – Agora não se mantém?

Fernando Morais – Isso está, aos poucos, desaparecendo. Primeiro pela descoberta da rede de cubanos. Das denúncias feitas por Fidel a Bill Clinton, via Gabriel Garcia Marquez. E também por um problema generacional. Os jovens que vivem em Miami não estão mais interessados em jogar bombas em Cuba.

Sul21 – Já não devem ter interesse em voltar para lá também e reinstalar o capitalismo.

Fernando Morais – Não, até porque eles não tiveram prejuízo nenhum. Eles nasceram depois das expropriações. Quinze dias atrás o Pablo Milanés foi fazer um show em Miami, em um grande estádio da American Airlines (a American Airlines Arena). Havia 15 mil pessoas aplaudindo ele dentro do estádio e do lado de fora uns quinze velhinhos com cartazes na mão o chamando de comunista sem-vergonha. Então, isso está diminuindo muito. É muito raro você encontrar um jovem entre as lideranças das dezenas de organizações anticastristas que existem na Flórida.

Sul21 – O bloqueio econômico é realmente o grande causador dos problemas econômicos de Cuba?

Fernando Morais – A maioria das pessoas não sabe o que é realmente o bloqueio. Acha que é só a impossibilidade dos dois países comerciarem e de cidadãos de um país visitarem o outro. É claro que apenas isto já afeta profundamente a economia cubana, porque na hora em que você permitir que o turista norte-americano visite Cuba, o turismo cubano vai multiplicar seu faturamento. Mas o problema maior são as imposições feitas a outros países. Há cerca de três anos, Cuba comprou da Toshiba uns 50 tomógrafos e o Japão não podia entregar, porque se um navio japonês atracar em Cuba fica proibido de atracar em portos norte-americanos durante não sei quantos meses. Há um trecho no livro em que o cônsul norte-americano no Rio de Janeiro procura o vice-presidente da Souza Cruz para ameaçá-lo porque a empresa tinha acabado de montar uma fábrica em Havana, em um terreno que fora expropriado da indústria americana. Deram com o nariz na porta. O bloqueio é uma coisa que até a OEA, que é controlada pelos EUA, já protestou. É uma metralhadora apontada para a cabeça da economia cubana.

Sul21 – O livro mostra que até mesmo Jimmy Carter acabou apelando para o eleitorado de Miami anticastrista quando sua popularidade estava em baixa. A gente vê agora que Obama vai vetar a criação do Estado Palestino. Tu estudaste muito o lobby das organizações anticastristas. Como funcionam estes lobbies?

Fernando Morais – Dinheiro. No caso do lobby cubano, além do dinheiro tem a importância que a Flórida desempenha nas eleições dos Estados Unidos. Foi lá que o Bush (filho) ganhou a primeira eleição, que dizem que foi roubada do Al Gore. No caso do lobby pró-Israel, é financiamento de campanha. Financiamento legal, tudo declaradinho. Os caras não são loucos de enfrentar isto. Perdem a eleição. No caso do lobby cubano, nenhum candidato desde Kennedy, seja democrata ou republicano, deixou de cumprir o ritual de ir beijar o anel dos barões da comunidade cubana em Miami. Se o Obama vier a fazer alguma coisa – seja no sentido de acabar com o bloqueio, seja no sentido de libertar os cinco (agentes cubanos que continuam presos nos EUA) – só vai fazer se for reeleito no ano que vem, o que está cada vez mais difícil. Se ele se reelege, não deverá satisfação nenhuma à comunidade cubana da Flórida, porque ninguém pode ser presidente dos EUA por mais de duas vezes, nem alternadamente.

Sul21 – Tu ouviste a notícia da prisão dos espiões cubanos no rádio e no mesmo momento pensou que dava um livro. Como foi isto?

Fernando Morais – No dia em que eles foram presos, em setembro de 1998, eu estava dentro de um táxi com minha mulher, num final de tarde, no trânsito infernal de São Paulo. No meio de um monte de notícias internacionais, de vulcão não sei onde, ele disse: “Dez agentes secretos cubanos foram presos hoje pelo FBI na Flórida. Estavam infiltrados todos eles em organizações de extrema-direita”. Em geral é o contrário, quem espia o mundo todo são os Estados Unidos, é o FBI, a CIA. Cuba lá dentro, nas “entranhas do monstro”, como dizem os cubanos. Eu comentei com a minha mulher: “Aqui tem um livro”. Levei quase dez anos para conseguir que os cubanos me entregassem o material secreto.

Sul21 – Então, desde aquele momento tu já começaste a fazer o livro?

Fernando Morais – Já. Na primeira vez em que fui a Cuba depois daquilo já bati na porta deles. No começo, Cuba nem reconhecia que eram agentes do governo, mesmo que já tivessem sido condenados à prisão perpétua nos EUA. Em 2005 eles me liberaram os documentos, mas eu estava fazendo a biografia do Paulo Coelho. Já tinha recebido adiantamento da editora, precisava entregar o livro. Quando acabei a biografia, em 2008, saí a campo. Fiquei dois anos pesquisando e um ano escrevendo.

Sul21 – Mas além dos documentos tu também fizeste entrevistas com os familiares dos espiões.

Fernando Morais – Tem 40 entrevistas. Conversas com familiares, com profissionais da área de inteligência, nos Estados Unidos conversas com líderes dos grupos cubanos de direita. Tem muita coisa em off com agentes do FBI aposentados, que me deram dicas. Fui a Nova Iorque entrevistar o Larry Rother, aquele repórter que disse que o Lula bebia, que queriam expulsar do Brasil. Ele foi chefe da sucursal do New York Times em Miami e os caras (grupos anticastristas) ameaçaram ele, cortaram os freios do carro dele, metralharam a porta da casa dele. Falei com os presos por internet e, quando falava por telefone, aproveitava as cotas de minutos que as famílias têm para falar com eles mensalmente. Como não sou nem parente, nem cidadão americano, não podia visitá-los na cadeia.

Sul21: Foi bem reportagem investigativa.

Fernando Morais – Típica reportagem investigativa. Tem que se virar para que as pessoas contem coisas que não estão querendo contar. Fiz tudo sozinho. Em geral uso jovens jornalistas, historiadores ou pessoas da área de Letras para fazer algumas pesquisa e entrevistas por mim. Nesta, eu achei tão saboroso que fiz tudo sozinho. Tive pessoas me ajudando apenas para marcar entrevistas, degravar as fitas. Tinha uma moça em Havana, uma jornalista, a Leslie. Em Miami tinha uma jornalista colombiana e no Brasil, uma jovem jornalista. Ela organizava as informações para mim.

Sul21 – É uma história que desperta o interesse em todo o mundo. Já tem edições em outros idiomas?

Fernando Morais – Tem duas editoras norte-americanas interessadas em lançar o livro. Em espanhol, já tem editora em Cuba, Venezuela e México. Em Portugal também. E já está vendido para cinema desde o começo, para um jovem investidor paulista. Foi o que me ajudou porque foi uma pesquisa cara. No meio da pesquisa, o dinheiro havia acabado. Ele comprou os direitos. Está em campo para ver se amarra a produção com algum grande estúdio norte-americano.

Sul21 – Muitos jornalistas antigos falam que este tipo de reportagem morreu, principalmente nos veículos. Tu concordas com isto?

Fernando Morais – Os donos dos veículos dizem que o leitor não quer mais saber de reportagens extensas, quer saber de hard news, de internet. Se isto fosse verdade meus livros não venderiam o que vendem. São todos livros de grande reportagem, e todos os dez entraram em listas de mais vendidos. Acho que as pessoas querem as duas coisas. Uma coisa é você entrar na internet agora e saber o que está acontecendo na Bolívia. Outra coisa é você ler uma boa história. Público tem. Precisa dinheiro para você pôr um repórter por dois, três meses em cima de um assunto. Eu sou um leitor ávido de papel. Uma das minhas alegrias era ler de manhã três, quatro jornais. Já não tenho tanta sedução assim. Os jornais hoje me lembram um verso profético do Gilberto Gil: “O jornal de manhã chega cedo, mas não traz o que quero saber/As notícias que leio, conheço, já sabia antes mesmo de ler”. Salvo uma ou outra coisa, você já leu antes na internet. Não acho que a internet vai acabar com o jornal. Mas acho que a única maneira do jornal em papel obter alguma vantagem sobre a internet é com opinião e com a grande reportagem, com matérias esteticamente trabalhadas. Dar tempo ao repórter burilar, escrever a reescrever. Se não, morrerão de fome.

Sul21 – Como tu vês a discussão que voltou à tona agora sobre a regulação da mídia?

Fernando Morais – Eu sou a favor, claro. Em primeiro lugar, televisão e rádio não são propriedade dos donos, é uma concessão com a sociedade está fazendo a eles, mas mesmo a mídia impressa precisa de regulação. Isso não significa ter censura, não. É ter normas. Um jornal não pode dar em manchete que você é batedor de carteira e no dia seguinte desmentir com uma notinha de três linhas. É inadmissível que seja assim. Eu sou absolutamente contra a censura. Vivi de 1968 a 1976 abaixo de censura. O censor sentava ao seu lado na redação. Não pode haver nenhuma instituição impune. Esta discussão, por exemplo, sobre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Tem que ter o CNJ. Você não pode permitir, por exemplo, que a censura que era fardada se torne a censura togada. Agora, quem é que regula o direito da imprensa dizer que você é ladrão? Tem regulação no mundo inteiro. Tem muito mais nos países que são modelo para os nossos donos de jornal. Nos EUA, quem é dono de televisão não pode ter jornal. E as televisões que têm alcance nacional precisam de um percentual altíssimo de produção local e de produção independente. Aqui no Brasil, as grandes redes nacionais produzem tudo em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os estados produzem apenas uma fatia pequenininha do seu noticiário.

Sul21 – Para a indústria cultural não é bom.

Fernando Morais – Claro que não. Um país com uma diversidade cultural como a nossa não pode ter uma emissora de televisão como aGlobo, com 60% de audiência, com a concentração de produção como ela tem. Seria bom também para ela comprar produção local. Seria uma forma de estimular produtoras no Brasil inteiro. E não tem nada que ver com censura. Este papo que os donos de jornal estão usando é para inibir a ação de quem defende a regulação. Não tem censura nenhuma.

Sul21 – Mas é difícil disseminar uma ideia contrária entre a população.

Fernando Morais – Claro, eles detêm o controle dos meios. Não adianta você querer dizer que isto não é censura no seu site, que atinge uma fatia pequena. Tem a Globo, o Estadão, a Folha, a Veja. Dos grandes, você tira a Carta Capital. O resto todo está martelando a cabeça das pessoas, dizendo que regulação é sinônimo de censura. Quando falo, mesmo para pessoas de cabeça aberta, que sou a favor da regulação, falam assim: “Quem diria, você que foi vítima da censura, agora está defendendo”.

Sul21 – Como estão andando as biografias do José Dirceu e do Lula?

Fernando Morais – Do José Dirceu eu estava trabalhando, ainda não desisti. Cheguei a ir a Cuba com ele, no lugar em que ele foi treinado, as pessoas que conviveram com ele, o médico que fez a cirurgia no rosto dele. Aí veio a cassação e ele teve que cuidar da vida dele. Pensamos em fazer um livro mais em primeira pessoa chamado 30 Meses, que seria a história dos bastidores do Governo Lula a partir da ótica dele. Ontem (quarta-feira, 28) ele lançou em Brasília um livro (Tempos de Planície), que acho que é um livro de ensaios, não de revelações. Com o Lula estou conversando há uns dois meses. Nem eu, nem ele sabemos bem o que se quer fazer.


Sul21 – Ele está plenamente disposto a fazer esta biografia?

Fernando Morais – A iniciativa foi dele, do pessoal ligado a ele. Me procuraram e propuseram um almoço com ele. Tenho uma relação antiga com o Lula. Na noite em que o sindicato foi invadido pelo Exército em 1979, estava lá dentro com ele. Pode rolar, pode dar um negócio legal. Vamos ver. É um momento bom porque eu estou na entressafra.

Sul21 – Não tem algum outro projeto em vista?

Fernando Morais – Tenho. Aliás, um projeto aqui no RS. Estou começando a conversar com a família do João Goulart para fazer algo não sobre a vida dele, mas sobre a morte.

Sul21 – É algo que está no ar.

Fernando Morais – É, aquilo não está devidamente esclarecido. Almocei na semana passada com a dona Maria Thereza (viúva de Jango) e com a Denise (filha). Vamos ver. Não descarto nenhuma possibilidade.

Sul21 – Como tu avalias o governo Lula?

Fernando Morais – Um governo que levou para o mundo das pessoas que comem três vezes por dia 30 milhões de habitantes. São três Chiles, cinco Dinamarcas de gente que não comia e que passou a comer. A política externa foi impecável. Altiva, independente, sem submissão. Acho que os tataranetos da gente, daqui duzentos anos, vão olhar para o Brasil dos séculos XX e XXI e vão ver dois governantes: Getúlio Vargas e Luis Inácio Lula da Silva.

Sul21 – E quanto ao governo Dilma?

Fernando Morais – Muito bem. Acho que está um pouco embaçado neste começo por estes rolos, de ladrões pendurados na administração, mas achoque vai ser tão bom quanto o do Lula. É a mesma família. São galhos da mesma árvore.



Fonte:   Terra Brasilis

A UDN, OS IPMs E A MÍDIA BRASILEIRA




Conversa Afiada reproduz artigo de Maria Inês Nassif, na Carta Maior:

O “jornalismo de denúncia” que se tornou hegemônico na grande imprensa traz o componente de julgamento sumário dos IPMs pós-64 e o elemento propagandístico udenista do pré-64. Assume, ao mesmo tempo, as funções do julgamento e da condenação, partindo do princípio de que, se as instituições não funcionam, ele as substitui.


Maria Inês Nassif


Logo após o golpe militar de 1964, os “revolucionários”, inclusive os de ocasião, aproveitaram o momento de caça às bruxas para eliminar adversários. O primeiro ato institucional cuidava de tirar da arena política os que haviam cometido “crimes de opinião”, condenados no rito sumário de uma canetada, de acordo com os humores das autoridades de plantão.


Os Inquéritos Policiais Militares (IPMs) davam conta dos opositores que não podiam ser enquadrados na acusação de subversão: eram tribunais que, simultaneamente, investigavam e condenavam acusados de corrupção. Sem direito à defesa num caso e no outro, os políticos incômodos aos novos donos do poder saíam de cena, pelas listas de cassados publicadas pelo Diário Oficial, ao arbítrio dos militares, e pelos resultados de inquéritos aos quais não tinham acesso nem para saber por que estavam sendo cassados.


A bandeira da anticorrupção tomada pelos militares do braço civil da revolução, a velha UDN, que havia comovido as classes médias, foi consumada pelos IPMs. A presteza da exclusão de “políticos corruptos” [aqui entre aspas porque os processos não foram públicos e eles não tiveram direito à defesa] do cenário por esse mecanismo era um forte apelo às classes que apoiaram o golpe, ideologicamente impregnadas pelo discurso udenista anticorrupção que prevaleceu na oposição a João Goulart, antes dele a Juscelino Kubitschek, antes de ambos a Getúlio Vargas, na falta de uma proposta efetiva que permitisse a essa parcela da elite conquistar o poder pelo voto.


Era, no entanto, uma via de mão dupla: ao mesmo tempo em que satisfazia os anseios de moralização da política da classe média e das elites (o número de punições e a exposição pública dos supostos meliantes conta muito mais para o público conservador do que a justeza da condenação), era um instrumento de reacomodação das forças políticas civis que se dispunham a dar apoio ao poder militar. A delação – tanto política como moral – foi usada para redefinir a geografia do mando local, os grupos preferencialmente perfilados ao novo governo.


O fiscal de quarteirão não era um parceiro a ser desprezado pelo novo regime: foi uma peça importante na reacomodação de forças políticas e deu número, volume amplificado, às supostas apurações de denúncias de corrupção. Quanto maior o número de cassações por desvio de dinheiro público que saíssem no Diário Oficial, mais a imagem de moralização era imprimida ao poder militar, independentemente da culpa efetiva dos punidos. Os inocentes jamais tiveram chances de provar a sua inocência. Mesmo devolvidos à vida pública após 10 anos de cassação (essa era a punição), carregaram por toda a vida a pecha de “cassado por corrupção”.


Existiam os casos de políticos notoriamente corruptos, é lógico, mas após 10 anos de cassação eles voltaram à arena eleitoral dispostos a convencer os seus eleitores de que eles haviam sido injustiçados. Tinham mais capacidade para isso do que os punidos injustamente, até porque eram chefes de grupos políticos locais e nesses lugares a política de compadrio se misturava e se aproveitava da corrupção para manter votos em regiões de baixa escolaridade e muita fome.


É tênue a linha que separa o julgamento sumário – pelo Estado ou por instituições que assumem para si o papel de guardiães plenipotenciários da justiça e da verdade – da injustiça. O “jornalismo de denúncia” que se tornou hegemônico na grande imprensa traz o componente de julgamento sumário dos IPMs pós-64 e o elemento propagandístico udenista do pré-64. Assume, ao mesmo tempo, as funções do julgamento e da condenação, partindo do princípio de que, se as instituições não funcionam, ele as substitui. Da mesma forma que o IPM, a punição é a exposição pública. E, assim como os Estados de regimes autoritários, o direito de defesa é suprimido, apesar da formalidade de “ouvir o outro lado”?.


Este é um lado complicado da análise da mídia tradicional porque traz junto o componente moral. Antes de assumir o papel de polícia e juiz ao mesmo tempo, consolidou-se como porta-voz da moral udenista. Hoje, as duas coisas vêm juntas: o discurso de que a política é irremediavelmente corrupta e a posição de que, sem poder na política institucional, já que está na oposição, a mídia pode revestir-se de um poder paralelo e assumir funções punitivas. A discussão é delicada porque, não raro, quem se indispõe contra esse tipo de poder paralelo da imprensa é acusado de conivente com a corrupção, mesmo que a maioria das pessoas que ouve o argumento reconheça que o julgamento da mídia tradicional é ilegítimo, falho e tem um lado, isto é, não é imparcial.


O marketing da moralidade vende muito jornal e revista na classe média, mesmo quando os erros do julgamento sumário pelas páginas da imprensa sejam muitos e evidentes. O udenismo também tem o lado da propaganda política, de desqualificação do processo democrático – não está em questão o fato de que existem políticos corruptos, mas a ideia de que a política é, em si, corrupta.


Diante desse histórico da imprensa brasileira, a notícia da tal Folhaleaks é particulamente preocupante. Em vez de Wikileaks – uma organização não governamental que lida com informações vazadas de governos e as submete ao escrutínio da apuração de veículos para divulgação – é Folhaleaks: um canal aberto a denúncias anônimas, que podem envolver os mais diversos e obscuros interesses por parte de quem denuncia. O risco é que essa forma de captação da informação reinstitua a política da denúncia do fiscal de quarteirão, mas desta vez executada não pelo Estado, mas como demonstração do poder de fazer e desfazer reputações que se autodelegou a mídia.


ADEUS, EUROPA



Frei Betto
Escritor e assessor de movimentos sociais
Adital
Lembram-se da Europa resplandecente dos últimos 20 anos, do luxo das avenidas do Champs-Élysées, em Paris, ou da Knightsbridge, em Londres? Lembram-se do consumismo exagerado, dos eventos da moda em Milão, das feiras de Barcelona e da sofisticação dos carros alemães?
Tudo isso continua lá, mas já não é a mesma coisa. As cidades europeias são, hoje, caldeirões de etnias. A miséria empurrou milhões de africanos para o velho continente em busca de sobrevivência; o Muro de Berlim, ao cair, abriu caminho para os jovens do Leste europeu buscarem, no Oeste, melhores oportunidades de trabalho; as crises no Oriente Médio favorecem hordas de novos imigrantes.
A crise do capitalismo, iniciada em 2008, atinge fundo a Europa Ocidental. Irlanda, Portugal e Grécia, países desenvolvidos em plena fase de subdesenvolvimento, estendem seus pires aos bancos estrangeiros e se abrigam sob o implacável guarda-chuva do FMI.
O trem descarrilou. A locomotiva – os EUA – emperrou, não consegue retomar sua produtividade e atola-se no crescimento do desemprego. Os vagões europeus, como a Itália, tombam sob o peso de dívidas astronômicas. A festa acabou.
Previa-se que a economia global cresceria, nos próximos dois anos, de 4,3% a 4,5%. Agora o FMI adverte: preparem-se, apertem os cintos, pois não passará de 4%. Saudades de 2010, quando cresceu 5,1%.
O mundo virou de cabeça pra baixo. Europa e EUA, juntos, não haverão de crescer, em 2012, mais de 1,9%. Já os países emergentes deverão avançar de 6,1% a 6,4%. Mas não será um crescimento homogêneo. A China, para inveja do resto do mundo, deverá avançar 9,5%. O Brasil, 3,8%.
Embora o FMI evite falar em recessão, já não teme admitir estagnação. O que significa proliferação do desemprego e de todos os efeitos nefastos que ele gera. Há hoje, nos 27 países da União Europeia, 22,7 milhões de desempregados. Os EUA deverão crescer apenas 1% e, em 2012, 0,9%. Muitos brasileiros, que foram para lá em busca de vida melhor, estão de volta.
Frente à crise de um sistema econômico que aprendeu a acumular dinheiro mas não a produzir justiça, o FMI, que padece de crônica falta de imaginação, tira da cartola a receita de sempre: ajuste fiscal, o que significa cortar gastos do governo, aumentar impostos, reduzir o crédito etc. Nada de subsídios, de aumentos de salários, de investimentos que não sejam estritamente necessários.
Resultado: o capital volátil, a montanha de dinheiro que circula pelo planeta em busca de multiplicação especulativa, deverá vir de armas e bagagens para os países emergentes. Portanto, estes que se cuidem para evitar o superaquecimento de suas economias. E, por favor, clama o FMI, não reduzam muito os juros, para não prejudicar o sistema financeiro e os rendimentos do cassino da especulação.
O fato é que a zona do euro entrou em pânico. A ponto de os governos, sem risco de serem acusados de comunismo, se prepararem para taxar as grandes fortunas. Muitos países se perguntam se não cometeram uma monumental burrada ao abrir mão de suas moedas nacionais para aderir ao euro. Olham com inveja para o Reino Unido e a Suíça, que preservam suas moedas.
A Grécia, endividada até o pescoço, o que fará? Tudo indica que a sua melhor saída será decretar moratória (afetando diretamente bancos alemães e franceses) e pular fora do euro.
Quem cair fora do euro terá de abandonar a União Europeia. E, portanto, ficar à margem do atual mercado unificado. Ora, quando os primeiros sintomas dessa deserção aparecerem, vai ser um deus nos acuda: corrida aos saques bancários, quebra de empresas, desemprego crônico, turbas de emigrantes em busca de, sabe Deus onde, um lugar ao sol.
Nos anos 80, a Europa decretou a morte do Estado de bem-estar social. Cada um por si e Deus por ninguém. O consumismo desenfreado criou a ilusão de prosperidade perene. Agora a bancarrota obriga governos e bancos a pôr as barbas de molho e repensar o atual modelo econômico mundial, baseado na ingênua e perversa crença da acumulação infinita.
[Frei Betto é escritor, autor do romance "Minas do ouro” (Rocco), entre outros livros. http://www.freibetto.org/> twitter:@freibetto.
Copyright 2011 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...