quinta-feira, 11 de outubro de 2012

JOSÉ DIRCEU NO JULGAMENTO DE ALICE


 



Recife (PE) - Não se enganem os leitores. O mensalão no STF é, na essência, um julgamento político. E se ainda têm dúvida, observem a mídia massificada, o abuso de imagens na televisão, a telenovela em que se tornou o tribunal cuja chamada é punição aos corruptos para um novo Brasil. Um leitor calejado diria que as notícias se fabricam como as salsichas, com sangue e gordura fartos em ambiente de náusea. No entanto, o que há de mais pedagógico nesse julgamento é o fim das ilusões de como age o Supremo Tribunal Federal. Ali também se produzem salsichas, a saber, votos e juízos se fazem em obediência à sociedade de classes, na feroz luta política.

 

Se ainda têm dúvida, observem que o conceito de prova foi reinventado. Indícios, que possuem a natureza, por definição, de serem hipóteses, viraram fatos, sob o especioso argumento de “é impossível que ele não soubesse”. Houve provas como deduções de retórica, digna de sofistas, na base do se isso, então aquilo. O elementar de qualquer tribunal do mundo civilizado, do não basta supor, não basta desconfiar, não basta ter como provável, foi jogado às favas. E por que ministros tão ilustres, pelo menos no brilho de suas ideais funções, sepultaram as nossas melhores ilusões de justiça acima de classes? O alvo do julgamento é Lula. O alvo são as conquistas de um governo de esquerda, que se trouxe ganhos maiores para o capital, também redistribuiu renda, e no que tem de pior, ameaça uma permanência no poder que pode gerar insuportável democracia: leis de regulação da mídia, perdas irreparáveis de privilégios.

     

Daí que foi dado o passo necessário para a condenação do ex-presidente Lula: a punição de José Dirceu. Falta só mais um degrau. Na verdade, muito antes desta semana, o julgamento de Zé Dirceu estava escrito desde o século dezenove. Em escrita criadora, o seu julgamento já havia sido feito desde 1865. Mais precisamente, sob a pena de Lewis Carrol, em Alice no País das Maravilhas. O leitor por favor acompanhe estas linhas de Alice.

 

“- Não, não! - berrou a Rainha. - Primeiro a sentença, depois o veredicto”.

 

Se substituímos a Rainha pelo conjunto imprensa e tribunal do Brasil, perceberemos que aqui também a condenação estava antes sentenciada. Mas continuemos com Alice: 

 

“Neste momento o Rei, que estivera ocupado por algum tempo escrevendo em seu caderno de notas, gritou:

 

- Silêncio! - e leu: ‘Artigo Quarenta e Dois: Todas as pessoas com mais de um quilômetro e meio de altura devem deixar o tribunal.’

 

Todo o mundo olhou para Alice.

 

- E não irei de jeito nenhum - disse Alice; - além do mais, este artigo não é legal: você acabou de inventá-lo.

 

O Rei empalideceu e fechou apressadamente seu caderno de notas. ‘Façam o seu veredicto’, disse ao júri, com voz baixa e trêmula”.

 

Se fazemos a diferença de que no Brasil os ministros do Supremo não empalideceram, os procedimentos criados pelo STF para esse julgamento repetem à perfeição Alice. Mas continuemos com o julgamento de José Dirceu, agora de modo mais claro:

 

“- Com licença de Vossa Majestade, ainda há provas a examinar - disse o Coelho Branco dando um salto: - este documento acaba de ser encontrado.

 

- Do que se trata? - indagou a Rainha.

 

- Ainda não abri - respondeu o Coelho Branco. - Mas parece ser uma carta, escrita pelo prisioneiro para alguém.

 

- Só pode ser isso - disse o Rei, -a menos que tenha sido escrita para ninguém, o que não é muito usual.

 

- A quem é endereçada? - perguntou um dos ministros.

 

- Não é propriamente endereçada...- disse o Coelho Branco, - na verdade, não há nada escrito do lado de fora. Enquanto falava, desdobrou o papel, acrescentando: - Nem é uma carta, afinal de contas: são versos.

 

- Estão escritos com a caligrafia do prisioneiro? – perguntou outro.

 

- Não, não estão - respondeu o Coelho Branco - e isso é o mais estranho de tudo. (Todos pareciam perplexos.)

 

- Ele deve ter imitado a caligrafia de outra pessoa – disse o Rei. (Todos animaram-se outra vez.)

 

- Com licença de Vossa Majestade - disse o réu, - eu não escrevi isso, e ninguém poderá provar o contrário: não há nenhum nome assinado embaixo.

 

- Se você não assinou - disse o Rei - isso só piora a situação. Você certamente deve ter feito algo de errado, ou então teria assinado seu nome como qualquer pessoa honesta...

 

- Isso prova a sua culpa, é claro - disse a Rainha: - Logo, cortem a sua cabeça!”

 

O logo acima foi conjunção para Lula e advérbio de tempo, urgente, em uma só palavra. Logo, cortem a cabeça da esquerda, foi, é a sentença. Provas para quê?





Urariano Mota - Recife. Épernambucano, jornalista e autor de "Soledad no Recife", recriação dos últimos dias de Soledad Barret, mulher do cabo Anselmo, executada pela equipe do Delegado Fleury com o auxílio de Anselmo.Direto da Redação

 

ESTAMOS COM MEDO; E NÃO PORQUE SOMOS CULPADOS


Ministro do Supremo do Brasil

Via CartaMaior

É assustador que, numa suposta democracia, tremamos aos olhares furibundos e aos sorrisos sardônicos de certos brasileiros, que ocupam as cadeiras de ministros no Supremo Tribunal Federal. Eles são senhores absolutos do Brasil: há que temê-los, naturalmente.

Enio Squeff

Samuel Weiner gostava de contar sobre sua experiência no Julgamento de Nuremberg, aquele que levou a um tribunal internacional os maiores criminosos do Terceiro Reich. Como brasileiro, representante da imprensa de um dos países vitorioso da Segunda Guerra, Weiner tinha o direito de ficar fisicamente mais próximo de alguns dos acusados. Os réus estavam encerrados em cubículos de vidro, a prova de balas e, com um pequeno binóculo, Weiner, por pura curiosidade, observava um a um os acusados, até chegar a Hermann Goering, criador da Gestapo, um dos maiores criminosos da história, co-responsável pelos campos de concentração nazistas. Aí Weiner parou. Confessava que baixou o binóculo rapidamente; sentiu medo. O homem que o encarou de dentro da cabine de vidro "tinha olhos de tigre" (sic). Conforme Weiner, o interior de Goering, revelou-se em seus olhos, na inteireza de sua crueldade inconcebível.

É um depoimento revelador, não só sobre réus eventuais. No julgamento sobre o Mensalão, por exemplo, não é aos réus que nos vem sendo dado mirar, mas os juízes. Não existem comparações possíveis. A palavra medo, porém, não parece muito distante do sentimento de qualquer brasileiro com um mínimo de consciência. Há quem fale - sabe-se lá se, paranoicamente ou não- em ambiente de golpe nas decisões que estão sendo tomadas.

Não parece uma questão estranha à justiça ou ao poder. Aos fatos dão-se as dimensões que eles podem não ter. Parece mais que tolice que a ação 470 seja considerada "o maio escândalo da história do Brasil". Soa como absurdo tal consideração, principalmente num país, como o nosso, em que em quatro anos foram vendidas estatais sem qualquer transparência para os bilhões que lhes foram ou não, devidamente dados. Basta, no entanto, que o poder julgue fatos maiores do que são, e os envolvidos serão, então, maiusculamente julgados.

Foi o que fez o Marquês de Pombal no século XVIII, em Portugal. Ao atentado contra Dom José I - do qual o monarca sobreviveu com não mais que alguns arranhões-- o então primeiro ministro luso, fez um escarcéu. Imediatamente, alguns de seus principais inimigos na aristocracia portuguesa seriam arrolados como responsáveis pelo crime de lesa-majestade. O Marquês, diga-se, não se limitou a torturar e a matar uma família inteira, do qual nunca se provou qualquer culpa. Logo, seus juízes saíram à cata de culpados onde quer que algum tugido ou mugido se fizesse ouvir. Em poucos anos, até a queda do Ministro, os inimigos, falsos ou verdadeiros, os criminosos ou não, eram todos enclausurados, mortos, cruelmente torturados, ou obrigados a se exilar: tudo, porem, na mais perfeita ordem legal - que disso o marquês não descurava nunca. Uma vez que eram proibidos os contraditórios, valiam as interpretações jurídicas do momento: se não havia provas, impunham-se as evidências.

À época, não se excluíam as torturas para os processos legais. Eram suficientes, portanto, as confissões dos réus. Depois de algumas sessões de tortura, muito dificilmente alguém não admitia que não tivesse participado fosse do que fosse - não só das conspirações dos Jesuítas - cuja a ordem o Marquês logrou que o Papa extinguisse ( o ouro do Brasil operava milagres na Santa Sé, pelo menos naqueles tempos), mas de que tinha ligações com todos os crimes do mundo - não excluídos os maiores absurdos, fosse da morte de Cristo. Ou do pecado original. Era só os juízes do Marquês quererem - pronto, lá estava o réu quanto menos, na prisão ou no exílio.

Parte da mídia brasileira apoiou o golpe da Suprema Corte de Honduras; e, quando houve o impeachment de Fernando Lugo, ela foi coerentemente a favor do congresso paraguaio. Já que os militares não são mais massa de manobra, como foram nos anos 70 em toda a América Latina, impõe-se, agora, qualquer legalização, seja pelos congressos, sejam pelas pelos poderes judiciários de alguns países. Os golpes não podem parecer que tais: têm de ostentar o selo da legalidade.

A questão maior, por isso, parece ser sobretudo o medo.

Qualquer pessoa de bom senso que passou pela ditadura militar, deve ter em alta conta o cenho carregado e enraivecido do ministro Joaquim Barbosa: ele já deixou claro, no grande evento televisivo em que se transformou o julgamento da ação 470, que não lhe agradam, nenhum pouco, qualquer balbucio de contraditórios a suas teses. Assim também em relação ao sorriso melífluo do ministro Marco Aurélio Mello ; há vários partidos no chamado caso do mensalão. Só lhe ocorre mencionar o PT. Fica-se na dúvida: não será temerário criticá-lo por considerar um escroque, como Roberto Jefferson, um digno "servidor da pátria" como ele declarou?

Restam muitas dúvidas, todas certamente temerárias.

De fato, qual o próximo capítulo televisivo, a merecer capas das revistas e jornalões que querem ver o ex-presidente Lula varrido da história? O exemplo do excelso Marquês de Pombal talvez seja um exagero - mas não deveria ser custoso ou mera paranóia ao ex e à atual presidenta porem-se em alerta. A ser verdade verdadeira, que provas não são necessárias para condenar alguém, dispensem-se inclusive as torturas. Haverá sempre evidências de que todos sejamos criminosos, incluindo-se aí não só os hoje e agora valorosos José Dirceu o José Genoíno. Eles não precisam mostrar sua santidade, por favor (já que o ônus da sua inocência deve-se a eles, apenas a eles). Basta, para nós, que não sejam culpados. E seremos, de novo, aquele pobre país que precisa de heróis

Sim, os brasileiros voltamos a ter medo. Como os juristas parecem se propor a guardar um silêncio mais que obsequioso (ou a palavra seria outra?) - aos espantados e inconformados com as sentenças que vão sendo atiradas a torto e a direito - sem que o país possa fazer nada (a começar pela decidida aprovação da grande imprensa), resta constatar, realmente, um "cheiro" de 64 no ar.

A propósito, será certamente apenas um desejo que a emocionante carta da filha de José Genoíno venha a comover alguns juízes do STF. Estamos vivendo aqueles inesquecíveis momentos em que a Justiça comete injustiças. Não é de se desprezarem os sinais

Aliás, pode parecer apenas fortuito que Samuel Weiner sentisse medo do o olhar de um autêntico assassino genocida, como foi Hermann Goering. Mas parece bem mais que assustador que, numa suposta democracia, tremamos aos olhares furibundos e aos sorrisos sardônicos de certos brasileiros, que ocupam as cadeiras de ministros no Supremo Tribunal Federal. Eles são senhores absolutos do Brasil: há que temê-los, naturalmente.

Enio Squeff é artista plástico e jornalista.

Fonte:  Gilson Sampaio

VAMOS REBLOGAR!!!! CARTA ABERTA AOS SENADORES E DEPUTADOS DO PT E DAS FORÇAS PROGRESSISTAS


uinta-feira, 11 de outubro de 2012


Carta aberta aos congressistas do PT e das forças progressistas



Caros deputados e senadores,
O atual silêncio da bancada petista nos incomoda. Vocês receberam milhões de votos de cidadãos e trabalhadores de todo o Brasil e devem sim honrar seus mandatos. Nós, cidadãos e eleitores do PT, estamos fartos de sermos chamados de desonestos, eleitores de “petralhas”, eleitores de bandidos, bandidos eleitores, achincalhados pelos grandes meios de comunicação (a atual ministra da Cultura e senadora por São Paulo, Marta Suplicy, eleita com milhões de votos de eleitores de São Paulo, escreve coluna periódica no jornal que mais nos achincalha, mais nos estigmatiza politicamente, a Folha de S.Paulo, e isso é algo inconcebível). Tomem tenência!
Nós eleitores de vocês, deputados federais e senadores, queremos resposta imediata e sem delongas a este massacre midiático em que se converteu o julgamento da Ação Penal 470 no STF. Queremos pronunciamentos no Congresso já! Queremos declarações públicas de que este julgamento no STF é um julgamento de exceção, pois não somos eleitores leitores de Vejas da vida e nem dos jornalões. Sabemos o que se passa neste julgamento e por isso somos conscientes ao rotulá-lo como de exceção.
Por isso, como eleitores atentos, queremos já a manifestação dos senhores eleitos com nossos votos. Não é possível tamanho e constrangedor silêncio dos senhores deputados e senadores diante do que está ocorrendo neste país. Não é aceitável este silêncio que nos causa vergonha diante das absurdas condenações, posto que extravagantes, esdrúxulas e ao arrepio da Constituição Federal e dos direitos elementares dos cidadãos que estão sendo proferidas no STF. Estamos vivenciando um tribunal de exceção em plena democracia e isso exige dos outros poderes, os senhores, que se manifestem.
Provas estão sendo negligenciadas em prol de ilações e conjecturas. O ônus da prova da acusação, princípio basilar dos Direitos Fundamentais do Homem, perdeu-se no vendaval de absurdos que estamos assistindo, dia após dia, e os senhores se mantêm em silêncio obsequioso, sendo portadores do mais legítimo poder em uma democracia.
Nós, cidadãos do Brasil, trabalhadores, abundantemente abastecidos por informações que nos permitem entender claramente o que está acontecendo e eleitores dos senhores, exigimos que se manifestem imediatamente.
Sabemos que a Constituição Federal em seu artigo 5º inciso XXXVII preconiza de forma taxativa que não haverá juízo ou tribunal de exceção nesta República. Pois bem, estamos vivenciando este fundamental preceito constitucional violado pelo STF em nome das pressões da mídia monopolizada do Brasil, na qual o governo federal despeja rios de dinheiro. Trata-se de um julgamento venal, de exceção e que atinge o PT em suas origens e nós não aceitaremos isso. Estamos colocando em xeque a credibilidade do STF sim!
Por isso exigimos que vocês, nossos representantes, não se omitam nesta quadratura política e de tensionamento. Nós, cidadãos e eleitores de vocês, por isso, exigimos que honrem seus mandatos, em nome do que resta de democracia neste país.
Este movimento está apenas começando. Sabemos que responderão as nossas expectativas. Aguardaremos suas manifestações em plenário, nos blogs onde há livre manifestação de pensamentos e opiniões e em todos os espaços que julgarem fundamentais de modo a honrar os votos e a esperança das quais são depositários.
O que jamais aceitaremos é a omissão!
Jamais!
Nós, cidadãos, hoje sabemos que somos o real poder neste país.
Nota do Limpinho: A carta acima foi iniciativa do professor Osvaldo Ferreira no Facebook e encampada por esse blog. Se concordar com seus termos, a copie e encaminhe para os deputados e senadores do PT e das forças progressistas no Congresso Nacional.

INDÍCIOS DE VOLTA




Saiu na Folha (*): 




Janio de Freitas

A consagração de indícios e deduções como provas, para condenações, é ameaça muito extensa

UM POUCO mais ou um tanto menos, conforme o autor do voto no Supremo, a maioria das deduções que preencheram a falta de determinadas provas, ou complementaram provas apenas parciais, faz sentido e é admissível. Como dedução. Só.

As deduções em excesso para fundamentar votos, por falta de elementos objetivos, deixaram em várias argumentações um ar de meias verdades. Muito insatisfatório, quando se trata de processo penal, em que está implícita a possível destinação de uma pessoa à prisão.

O ar de meias verdades que o Supremo esparge, a par de verdades provadas, volta ao seu plenário em alguma medida desagradável.

O ministro Celso de Mello quis dar-lhe resposta técnica, como longo preâmbulo a seu curto voto condenatório.

Não disponho de juristas alemães a citar também, nem me valeria de uma daquelas locuções romanas disponíveis nos bons dicionários.

Logo, não ousaria contestar os doutos da corte suprema. Mas todos os mal preparados podem saber que a atribuição do valor de provas ao que seria, no máximo, indício significa nem mais nem menos do que falta de prova.

Se há ou não há jurisprudência do Supremo para dar a indícios, na falta de poder mudar-lhes o nome, o valor de provas, não se altera esta realidade: indícios são sugestões, não são evidências, contrariamente ao que disse o ministro Celso de Mello.

Indícios são, inclusive etimologicamente, indicações de possibilidades. Não são verdades. Nem mesmo certezas.

No Brasil, o argumento da “insegurança jurídica” é brandido pelo “mercado” sempre que quer proteger privilégios.

A consagração de indícios e deduções como provas, para condenações, é ameaça muito extensa. Ou seja, em muitos sentidos, instala insegurança jurídica verdadeira.

(…)


(*) Folha é um jornal que não se deve deixar a avó ler, porque publica palavrões. Além disso, Folha é aquele jornal que entrevista Daniel Dantas DEPOIS de condenado e pergunta o que ele achou da investigação; da “ditabranda”; da ficha falsa da Dilma; que veste FHC com o manto de “bom caráter”, porque, depois de 18 anos, reconheceu um filho; que matou o Tuma e depois o ressuscitou; e que é o que é,  porque o dono é o que é; nos anos militares, a  Folha emprestava carros de reportagem aos torturadores.

Fonte:  Conversa Afiada

PAULO MOREIRA LEITE NA "EPOCA": SEM DOMÍNIO, SEM FATOS


A fogueira, o destino de Genoino e Dirceu

QUINTA-FEIRA, 11 DE OUTUBRO DE 2012

Sem domínio, sem fatos

Via Época

“Suborno, mesmo, sabemos de poucos e não envolvem o mensalão. Foram cometidos em 1998, na compra de votos para a reeleição. Mas pode ter havido, sim, casos de suborno”.
*************************
“Não custa lembrar – só para não fazer o papel de bobo — que se deixou de lado o empresário das privatizações tucanas que foi um dos primeiros a contribuir para o esquema, um dos últimos a aparecer e, mais uma vez, um dos primeiros a sair”.
Paulo Moreira Leite
Talvez seja a idade, quem sabe as lembranças ainda vivas de quem atravessou a adolescência e o início da idade adulta em plena ditadura. Mas não consigo conviver com a ideia de que cidadãos como José Genoíno e José Dirceu possam  ser condenados por corrupção ativa sem que sejam oferecidas provas consistentes e claras. A Justiça é um direito de todos. Mas não estamos falando de personagens banais.
Sei que os mandantes de atos considerados criminosos  não assinam papéis, não falam ao telefone nem deixam impressão digital. Isso não me leva a acreditar que toda pessoa que não assina papel, não fala ao telefone nem deixa impressão digital seja chefe de uma quadrilha.
Sei que existe a teoria do domínio do fato. Mas ela não é assim, um absoluto. Tanto que, recentemente, o célebre Taradão, apontado, por essa visão, como mandante do assassinato de irmá Dorothy, conseguiu sentença para sair da prisão. Contra Taradão havia confissões, testemunhas variadas, uma soma impressionante de indícios que não vi no mensalão.  Mesmo assim, ele foi solto.
Não estamos no universo do crime comum. Estamos no mundo cinzento da política brasileira, como disse o professor José Arthur Gianotti, pensador do país e, para efeitos de raciocínio, tucano dos tempos em que a geração dele e de Fernando Henrique lia O Capital.
O país político funciona neste universo cinzento para todos os partidos. Eu  acho, de saída, que é inacreditável que dois esquemas tão parecidos, que movimentaram quantias igualmente espantosas, tenham recebido tratamentos diferentes – no mesmo tempo e lugar.
O centro desse universo é uma grande falsidade. O mensalão dos petistas, que condenou Dirceu e Genoíno, foi julgado pelo Supremo em clima de maior escândalo da história, definição que, por si só, já pedia, proporcionalmente, a maior condenação da história.
Já o mensalão do PSDB-MG escapou pela porta dos fundos. Ninguém sabe quando será julgado, ninguém saberá quando algum nome mais importante for absolvido em instancias inferiores, ninguém terá ideia do destino de todos. Bobagem ficar de plantão a espera do resultado final. Esse barco não vai chegar.
O caminho foi diferente, a defesa terá mais chances e oportunidades. Não dá para corrigir.
O PSDB-MG passará, no mínimo, por duas instâncias. Quem sabe, algum condenado ainda poderá bater às portas do STF – daqui a alguns anos. Bons advogados conseguem tanta coisa, nós sabemos…
Não há reparação possível. São rios que seguiram cursos diferentes, para nunca mais se encontrar.
Partindo desse julgamento desigual, eu fico espantado que Dirceu tenha sido condenado quando os dois principais casos concretos – ou provas – contra ele se mostraram muito fracas.
Ponto alto da denúncia de Roberto Jefferson contra Dirceu, a acusação de que Marcos Valério fez uma viagem a Portugal para arrumar dinheiro para o PTB e o PT se mostrou uma história  errada. Lobista de múltiplas atividades, Valério viajou a serviço de outro cliente, aquele banqueiro da privatização tucana  que ficou de fora do julgamento. Ricardo Lewandoswski explicou isso e não foi contestado.
Outra grande acusação, destinada a sustentar que Dirceu operava o esquema como se fosse o dono de uma rede de fantoches, revelou-se muito mais complicada do que parecia. Estou falando da denúncia de que, num jantar em Belo Horizonte, Dirceu  teria se aliado a Katia Rebelo,  a dona do Banco Rural, para lhe dar a “vantagem indevida” pelos serviços prestados no mensalão.
A tese é que Dirceu entrou em ação para ajudar a banqueira a ganhar uma bolada – no início falava-se em bilhões – com o levantamento da intervenção do Banco Central no Banco Mercantil de Pernambuco. O primeiro problema é que nenhuma testemunha presente ao encontro diz que eles sequer tocaram no assunto.
Mas é claro que você não precisa acreditar nisso. Pode achar que eles combinaram tudo para mentir junto. Por que não?
Mas a sequencia da história não ajuda. Valério foi 17 vezes ao BC e ouviu 17 recusas.  A intervenção no Banco Mercantil  só foi  levantada dez anos depois, quando todos estavam longe do governo. Rendeu uma ninharia em comparação com o que foi anunciado.
De duas uma: ou a denuncia de que Dirceu trabalhava para ajudar o Banco Rural a recuperar o Mercantil era falsa. Ou a denuncia é verdadeira e ele não tinha o controle total sobre as coisas.
Ou não havia domínio. Ou não havia fato.
Aonde estão os superpoderes de Dirceu?
Estão na “conversa”, dizem. Estão no “eu sabia”, no “só pode ser”, no “não é crível” e assim por diante. Dirceu conversava e encontrava todo mundo, asseguram os juízes. Mas como seria possível coordenar um governo sem falar nem conversar? Sem sentar-se com cada um daqueles personagens, articular, sugerir, dirigir. Conversar seria prova de alguma coisa?
Posso até imaginar coisas. Posso “ter certeza.” Posso até rir de quem sustenta o contrário e achar que está zombando da minha inteligência.
Mas para condenar, diz  a professora Margarida Lacombe, na GloboNews, é preciso de provas robustas, consistentes. Ainda vivemos no tempo em que a acusação deve apresentar provas de culpa.
Estamos privando a liberdade das pessoas, o seu direito de andar na rua, ver os amigos, e, acima de tudo, dizer o que pensa e lutar pelas próprias ideias.
Estamos sob um regime democrático, onde a liberdade – convém não esquecer – é um valor supremo. Podemos dispor dela, assim, a partir do razoável?
Genoíno também foi condenado pelo que não é crível, pelo não pode ser, pelo nós não somos bobos. Ainda ouviu uma espécie de sermão. Disseram que foi um grande cara na luta contra a ditadura mas agora teve um problema no meio da estrada, um desvio, logo isso passa.
Julgaram a pessoa, seu comportamento. E ouviu a sentença de que seu caráter apresentou falhas.
Na falta de provas, as garantias individuais, a presunção da inocência, foram diminuídas, em favor da teoria que permite condenar com base no que é “plausível”, no que é “crível” e outras palavras carregadas de subjetividade, de visão
Não custa lembrar – só para não fazer o papel de bobo — que se deixou de lado o empresário das privatizações tucanas que foi um dos primeiros a contribuir para o esquema, um dos últimos a aparecer e, mais uma vez, um dos primeiros a sair.
Já perdemos a conta de casos arquivados no Supremo por falta de provas, ou por violação de direitos individuais, ou lá o que for, numa sequência de impunidades que – involuntariamente — ajudou a formar o clima do “vai ou racha” que levou muitos cidadãos honestos e indignados a aprovar o que se passou no julgamento, de olhos fechados.
Juizes do STF  emparedaram o governo Lula, ainda no exercício do cargo, em função de uma denuncia – absurdamente falsa – de que um de seus ministros fora grampeado, em conversa com o notável senador Demóstenes Torres, aquele campeão da moralidade que tinha o celular do bicheiro, presentes do bicheiro, avião do bicheiro…o mesmo bicheiro que ajudou a fazer várias denuncias contra o governo Lula, inclusive o vídeo dos Correios que é visto como o começo do mensalão.
Prova de humildade: os ministros do STF também pode se enganar.  Apontado como suspeito pelo caso, o delegado Paulo Lacerda perdeu o posto. Dois anos depois, a Polícia Federal divulgou que, conforme seu inquérito, não havia grampo algum.  Nada.
A condenação contra José Genoíno e José Dirceu sustenta-se, na verdade, pelo julgamento de caráter dos envolvidos. Achamos que eles erraram. Não há fatos, não há provas. Mas cometeram “desvios”.
Aí, nesse terreno de alta subjetividade, é que a condenação passa a fazer sentido. Os poucos fatos se juntam a uma concepção anterior e formam uma culpa.
A base deste raciocínio é a visão criminalizada de determinada política e determinados políticos.
(Sim. De uma vez por todas: não são todos os políticos. O mensalão PSDB-MG lembra, mais uma vez, que se fez uma distinção entre uns e outros.)
Os ministros se convenceram de que “sabem” que o governo “comprava apoio” no Congresso. Não contestam sequer a visão do procurador geral, que chega a falar em sistema de “suborno”, palavra tão forte, tão crua, que se evita empregar por revelar o absurdo de toda teoria.
Suborno, mesmo, sabemos de poucos e não envolvem o mensalão. Foram cometidos em 1998, na compra de votos para a reeleição. Mas pode ter havido, sim, casos de suborno.
Mas é preciso demonstrar, mesmo que não seja preciso uma conversa grampeada, como Fernando Rodrigues revelou em 1998.
Nesta visão,  confunde-se compensações naturais da política universal  com atitudes criminosas, como crimes comuns. Quer-se mostrar aos políticos como fazer politica – adequadamente.
Chega-se ao absurdo. Deputados do PT, que nada fariam para prejudicar um governo que só conseguiu chegar ao Planalto na quarta tentativa, são acusados de terem vendido seu apoio em troca de dinheiro. Não há debate, não há convencimento, não há avaliação de conjuntura. Não há política. Não há democracia – onde as pessoas fazem alianças, mudam de ideia, modificam prioridades. Como certas decisões de governo, como a reforma da Previdência, não pudessem ser modificadas, por motivos corretos ou errados, em nome do esforço para atravessar aquele ano terrível de 2003, sem crescimento, desemprego alto, pressão de todo lado.
A formula é tudo por dinheiro é nome de programa de TV, não de partido político.
Imagino se, por hipótese, a Carta ao Povo Brasileiro, que contrariou todos os programas que o PT já possuiu desde o encontro de fundação, no Colégio Sion, tivesse de ser aprovada pelo Congresso.
Tenho outra dúvida. Se este é um esquema criminoso, sem relação com a política, alguém poderia nos apresentar – entre os deputados, senadores, assessores incriminados – um caso de enriquecimento. Pelo menos um, por favor. Porque a diferença, elementar, para mim, é essa.
Dinheiro da política vai para a eleição, para a campanha, para pagar dívidas. Coisas, aliás, que a denuncia de Antônio Fernando de Souza, o primeiro procurador do caso, reconhece.
Decepção. Não há este caso. Nenhum político ficou rico com o mensalão. Se ficou, o que é possível, não se provou.
Claro que o Delúbio, deslumbrado, fumava charutos cubanos. Claro que Silvinho Pereira ganhou um Land Rover. A ex-mulher de Zé Dirceu, separada há anos, levou um apartamento e conseguiu um emprego.
Mas é disso que estamos falando? É este o “maior escândalo da história”?
Os desvios de dinheiro público, comprovados, são uma denúncia séria e grave. Deve ser apurada e os responsáveis, punidos.
Mas  não sabemos sequer quanto o mensalão movimentou. Dois ministros conversaram sobre isso, ontem, e um deles concluiu que era coisa de R$ 150 milhões. Queria entender por que se chegou a este número.
Conforme a CPMI dos Correios, é muito mais. Só a Telemig – daquele empresário que ficou esquecido – compareceu com maravilhosos R$ 122 milhões, sendo razoável imaginar que, pelo estado de origem, seu destino tenha sido o modelo PSDB-MG. Mas o Visanet entregou R$ 92,1 milhões, diz a CPMI.  A Usiminas – olha como é grande o braço mineiro – mandou R$ 32 milhões para as agências de Marcos Valério. Mas é bom advertir: isso está na CPMI, não é prova, não é condenação.
A principal testemunha, Roberto Jefferson, acusou, voltou atrás, acusou de novo… Fez o jogo que podia e que lhe convinha a cada momento. Disse até que o mensalão era uma criação mental. (Está lá, no depoimento à Polícia Federal).
Eu posso pinçar a frase que quiser e construir uma teoria. Você pode pinçar outra frase e construir outra teoria. Jefferson foi uma grande “obra aberta” do caso.
O nome disso é falta de provas.

Fonte:  Gilson Sampaio
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