segunda-feira, 23 de agosto de 2010

OS E.U.A E A MELANCÓLICA SAÍDA DO IRAQUE


Agora dizem que venceram
Os soldados estadunidenses que passaram pelo Iraque trouxeram aos iraquianos uma doença vinda do Afeganistão: a infecção da Al Qaeda. O desastre dos EUA no Iraque também infectou a Jordânia com a Al Qaeda e, mais uma vez, o Líbano. De maneira que não deveríamos nos deixar enganar com as palhaçadas das últimas horas da partida na fronteira com o Kuwait, das últimas tropas de “combate” duas semanas antes do previsto. Deixam para trás 50 mil homens e mulheres – um terço do total da força de ocupação – que serão atacados e terão de lutar contra a insurgência. O artigo é de Robert Fisk.
Quando se invade um país há que se ter um primeiro soldado – da mesma maneira que um último. O primeiro homem à frente da primeira coluna do exército estadunidense de invasão que chegou à praça Fardous, no centro de Bagdá em 2003 foi o cabo David Breeze do Terceiro Batalhão, Quarto Regimento de Fuzileiros. Por esse motivo, claro que se destacou que não se tratava de um soldado. Os fuzileiros não são soldados. São fuzileiros. Mas ele não falava com sua mãe há dois meses e por isso – igualmente inevitável – lhe ofereci meu telefone de satélite para que ligasse para sua casa no Michigan. Todo jornalista sabe que se consegue uma boa história se empresta o telefone a um soldado na guerra.

“Oi, pessoal”, gritou o cabo Breeze. “Estou em Bagdá. Estou ligando para dizer oi, os amo, estou bem. Eu amo vocês, pessoal. A guerra terminará em poucos dias. Vamos nos ver daqui a pouco”. Sim, todos diziam que a guerra terminaria logo. Não consultaram os iraquianos sobre esse passo agradável. Os primeiros terroristas suicidas – um policial em seu automóvel e depois duas mulheres num automóvel – já tinham atacado os estadunidenses numa grande rodovia que leva a Bagdá. Haveria ainda uma centena de ataques. Haverá mais centenas no Iraque no futuro.

De maneira que não deveríamos nos deixar enganar com as palhaçadas das últimas horas da partida na fronteira com o Kuwait, das últimas tropas de “combate” duas semanas antes do previsto. Tampouco pelo grito infantil “Vencemos!” dos soldados adolescentes, alguns dos quais deviam ter 12 anos quando George W. Bush enviou seu exército para esta catastrófica aventura iraquiana. Deixam atrás 50 mil homens e mulheres – um terço do total da força de ocupação estadunidense – que serão atacados e terão, além disso, de lutar contra a insurgência.

Sim, oficialmente eles tem de treinar homens armados e as milícias, e os mais pobres dos pobres que se uniram ao novo exército iraquiano, cujo próprio comandante não acredita que estejam prontos para defender seu país até 2020. Porém seguramente estarão ocupados – porque seguramente um dos “interesses estadunidenses” deve ser defender sua própria presença – junto aos milhares de mercenários indisciplinados e armados, ocidentais e orientais, que abrem caminho ao redor do Iraque, a tiros, para salvaguardar nossos preciosos diplomatas e empresários ocidentais, de modo que, dizendo com força, não estamos partindo!

Em troca, os milhões de soldados estadunidenses que passaram pelo Iraque trouxeram aos iraquianos uma doença. Do Afeganistão – pelo qual mostraram tanto interesse depois de 2001 como o mostrarão quando começarem a “deixar” o país, no ano que vem – trouxeram a infecção da Al Qaeda.

Trouxeram a enfermidade da guerra civil. Injetaram corrupção em grande escala no Iraque. Estamparam o selo de tortura em Abu Graib - um sucessor válido da mesma prisão sob o vil governo de Saddam -, depois de estampar o selo da tortura em Bagram e em prisões no Afeganistão. Tornaram sectário um país que, apesar da brutalidade e da corrupção de Sadam, até então conseguia manter juntos sunitas e xiitas.

E porque os xiitas invariavelmente governariam essa nova “democracia”, os soldados estadunidenses deram ao Irã a vitória que tanto buscou em vão na terrível guerra de 1980-1988 contra Saddam. Por certo os homens que atacaram a embaixada dos Estados Unidos no Kuwait nos velhos tempos maus – homens que eram aliados dos terroristas suicidas que explodiram a base da Marinha em Beirut, em 1983 -, agora ajudam a governar o Iraque. Os Dawa eram “terroristas”, naqueles tempos. Agora são “democratas”.

É engraçado como nos esquecemos dos 241 homens do serviço estadunidense que morreram na aventura do Líbano. O cabo David Breeze provavelmente tinha dois ou três anos naquele período. Mas a enfermidade continua. O desastre dos Estados Unidos no Iraque infectou a Jordânia com a AlQeda - as bombas no hotel de Amã – e depois novamente o Líbano. A chegada dos homens armados do Fatah al Islam no campo de refugiados palestinos de Nahra-Bared, no norte do Líbano – seus 34 dias com o exército libanês -. e a quantidade de mortes civis foram um resultado direto do levante sunita no Iraque. A AlQeda tinha chegado ao Líbano. Depois do Iraque, sob a ocupação estadunidense, reinfectou o Afeganistão com o terrorismo suicida, o autoimolador que transformou os soldados estadunidenses de homens que lutam em homens que se escondem.

De todas as maneiras, agora estão ocupados reescrevendo a narrativa. Um milhão de iraquianos estão mortos. A Blair eles não importam em nada – não figuram entre os beneficiários de direitos. Tampouco importa a maioria dos soldados estadunidenses. Vieram, viram, perderam. E agora dizem que ganharam. Os árabes, sobrevivendo a seis horas de eletricidade por dia em seu inóspito país, devem esperar que não haja mais vitórias como esta.

Tradução: Katarina Peixoto
fonte: carta maior

UM ZÉ FORA DE HORA

            

Reproduzo abaixo excelente texto de Gilson Caroni, no blog O Terror do Nordeste.



Gilson Caroni *


José Serra deixou cair a máscara barata. As críticas ao que chamou de "conferencismo", no 8º Congresso Nacional de Jornalismo, vão além do agrado circunstancial ao baronato midiático que lhe apóia na campanha. A direita sabe que o maior legado da Era Lula não se resume ao crescimento econômico com distribuição de renda. O grande feito do governo petista foi mobilizar a sociedade para passar em revista problemas históricos de origem.

Após várias conferências, a história brasileira deixou de ser o recalcamento das grandes contradições, para se afigurar como debate aberto sobre suas questões centrais. Numa formação política marcada pela escravidão, pela cidadania retardatária, com classes sociais demarcadas por distâncias socioeconômicas e por privilégios quase estamentais, o que vivemos no governo Lula foi uma verdadeira revolução cultural.

Além de discutir a mídia e a questão ambiental, foi criada uma nova agenda capaz de combater preconceitos e discriminações, ligados à classe, à raça, ao gênero, às deficiências, à idade e à cultura. Conhecendo os distintos mecanismos de dominação, encurtou-se o caminho da conquista e ampliação de direitos, da afirmação profissional e pessoal. E é exatamente contra tudo isso que se volta a peroração serrista. A sociedade organizada é o pavor dos oligarcas.

O candidato tucano não escolhe caminhos, métodos, processos e meios para permanecer como possibilidade de retrocesso político. A cada dia, ensaia nova manobra de politiqueiro provinciano, muito mais marcado por uma suposta esperteza do que pela inteligência que lhe atribuem articulistas militantes. Continuar chumbado ao sonho presidencial é sua obsessão. De tal intensidade, que já deveria ter provocado o interesse de psiquiatras em vez da curiosidade positivista de nossos “cientistas políticos” de encomenda.

O “Zé que quero lá" não é apenas jingle de campanha; acima de tudo, é o sintoma de um jogo teatral lamentável. Desprovido de recursos que conquistem a simpatia da platéia, se evidencia como burla ética, como o cristal partido que não se recompõe. Como ator político, é uma idéia fora de lugar, uma caricatura de si mesmo. Vocaliza como ninguém o protofascismo de sua base de sustentação.

Por não distinguir cenários, confunde falas. Quando tenta uma encenação leve, resvala para o grotesco. Quando apela para o discurso da competência, sua fisionomia é sempre dura, ostentando ressentimento e soberba. Os Césares romanos davam pão e circo à plebe. Aqui, sendo o pão tão prosaico, o ”Zé" não pode revelar os segredos da lona sob a qual se abriga. Seu problema, coitado, não é de marketing - é de tempo.

No governo em que ocupou duas pastas ministeriais, o cenário era sombrio. Parecia, ao primeiro olhar, que, no Brasil, tudo estava à deriva: desvios colossais na Sudene, na Sudam, no DNER; violação do painel eletrônico do Senado; entrega de ativos a preço vil; racionamento de energia e descrença generalizada na ação política. Os valores subjacentes aos pólos coronel/cliente, pai/filho, senhor/servo, pareciam persistir na cabeça de muitos de nossos melhores cidadãos e cidadãs, bloqueando a consolidação democrática. Era o tempo de Serra.

Tentar voltar ao proscênio oito anos depois é um erro primário. A política econômica é outra. Mais de 32 milhões de pessoas foram incorporadas ao mercado consumidor brasileiro. Segundo o chefe do Centro de Pesquisas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marcelo Neri, os cenários projetados até 2014 mostram que é possível duplicar esse número. A mobilidade social gerou um cidadão mais exigente. Uma consciência política mais atenta ao que acontece em todos os escalões do poder, um contingente maior de sujeitos de direito que exige mais transparência e seriedade na administração pública. Esse é o problema do “Zé”. Aquele que, depois de tantas Conferências, poucos o querem lá
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...