domingo, 17 de julho de 2011

UMA LOA (PARA O MESTRE DIÓGENES AFONSO DE OLIVEIRA)

Aprecio certos vocábulos arcaicos, os quais, embora egressos de um léxico avoengo e desusado, continuam preservados pelo linguajar do povo.
Loar é um deles.
O verbo Loar ainda guarda os dois sentidos: tanto o da ação de louvar, fazer discurso laudatório; quanto o de intróito ao drama, prólogo, apresentação do espetáculo; como era costume, segundo Aurélio Buarque de Holanda, no teatro ibérico dos séculos XVI e XVII.
O povo nordestino, mui sábio, também costuma usar a
 loa, rimada e, quase sempre, metrificada, antes de engolir uma boa dose de cachaça. Antes de tomar a lapada, louva-se e introduz-se, em seguida, a bebida goela abaixo.
Esse é o meu intuito, e tão somente esse, ao apresentar, neste zine-blog literário, os poemas desse Mestre: introduzir os textos, antes da fruição da leitura. Louvação e introdução é o que querem ser essas palavras de pórtico. Loar. Loor. Loa.

Não sei se é propriamente uma fruição, o sentimento que nos traz a leitura dos textos abaixo, pois o Mestre Diógenes é dono de uma potência criadora próxima da dos pugilistas. Sua força poética quase nos nocauteia. As imagens acachapantes da sua agonia nos falam, também, danossa agonia. Seus versos caosagonicos tratam de uma angústia que me faz lembrar, em sua essência, a de um outro Mestre, o grande basco Dom Miguel de Unamuno, cuja obra, A Agonia do Cristianismo, percorremos dia desses.
Assim como o Varão de Bilbao, também se esforça, Dom Diógenes Afonso, por apresentar-se ao leitor, não apenas como Poeta ou Autor, e sim, como um homem de carne e osso, com o flanco nu, adentrando a arena:

“o homem de carne e osso, aquele que nasce, sofre e morre, - sobretudo o que morre - aquele que come e bebe e joga e dorme e pensa e quer; o homem a quem vemos e ouvimos, o irmão, o verdadeiro irmão”.
( Unamuno)

Fala-nos o homem Diógenes que se problematiza, que se faz a questão de si mesmo (mihi quaestio factus sum, como em Santo Agostinho). Sua obra poética é, ela mesma, reduto eregistro inominável 
de sua problematicidade. Como neste insólito e belo: 

INEQUAÇÕES:


Sou matemático de cabeça para baixo:
as inequações, marcas de minha impotência;
os números, teimosia de infinitude,
postergando o meu capturar definitivo.

Sou matemático de uma agônica geometria:
as linhas, tortas por um contorno inacabado;
as esferas, derretidas na frouxidão do tempo
(talvez, doidamente, mais lânguidas que os relógios-tempo de Dali);
os trapézios, trapalhadas trôpegas
de um discurso falido.



No entanto, radicam-se no homem todas as realidades, e ao se impor como a questão de si mesmo, encontrará, irremediavelmente, o outro que não ele.
Dom Diógenes, como Unamuno, é um homem de seu tempo, que busca salvar a sua circunstância e com ela salvar-se a si mesmo. Ao chorar, num poema, as agruras de seu recém-nascido filho Victor, (hoje, um victorioso e saudável rapagão), chorava também as dores da alteridade, do próximo, do humano:

PRA QUE NÃO CHORES
(poesia pra Victor)

Porque a miséria, Victor,
tem o semblante da
morte
em vida que desponta
cadavérica e ameaçadora
como carvalho dês
aponta
no cerne da noite.

Porque a miséria, Victor,
faz disparar em
retirada
os sonhos que
por um,
por mil,
por milhões,
por infinitos... vãos desejos
se pretendem
sonhar!

Porque a miséria, Victor,
faz o seio do homem
inflar
de sangue-latino, latindo
como cão danado
uivo-desespero explodindo
inerte no ódio!


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Não escapará de si mesmo, tampouco do Deus em que acredita. Sua crença se apresenta sob certa tensão, certo embate interior com um cristianismo que professa crítica e crísticamente, quase dizia, unamunianamente. Bom exemplo disso é esse soco final, digo, poema final, que considero ser a obra prima de Dom Diógenes Afonso de Oliveira:
***


CAOSAGONIA: um acorde com ninguém.


Meu cansaço esfacela-se sem nome
E eu esbravejo matilhas ofegantes, espumando
Pela Caça Fugidia que desliza espectral
Dos ombros inefáveis de Deus.

Meu cansaço esfacela-se sem nome
E eu estremeço legiões de demonios, temendo
Pelo Tudo Distante que emerge seminal
Dos ombros inomináveis de Deus.

Meu cansaço esfacela-se sem nome
E eu... Que esbravejo por essa Caça,
Que estremeço por este Tudo,
Que enlouqueço por este Lugar-Nenhum,
Busco desbravar o labiríntico
Dessas sendas sem nomes:
Golpes golfando impotência
Diante dos ombros absurdos de Deus .


.......................................................(Diafonso).

Como arremate, trago esse poema, de um homem que se confessa demasiadamente humano:


Ícaro (A vertigem)


Eis o homem:
Ícaro de asas amputadas
De alma pútrida...
Áptero... pávido...
Insano... sem dó... dor só!


Eis o homem!
Acordado sem acordes
Ccom os quais dançar
(dançarino do nada: dor só)


Eis o homem!
Acordado sem cor
Ccom a qual se pintar
(dândi do nada: dor só)


Eis o homem!
Acordado sem palavras,
Sem verbo,
Sem vida
Com a qual apodrecer
em seu túmulo caiado de trevas
(divindade do nada: dor só!)


Eis o homem:
Dançarino... nada!
Dândi... nada!
Divindade... nada!


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Leia mais em

TERRA BRASILIS
ou em,


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Eurico, julho/2011
homenagem, pelo aniversário do Poeta.
Fonte:   EU-LÍRICO




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