quinta-feira, 25 de outubro de 2012

EM TEXTO BRILHANTE O JURISTA LUIZ MOREIRA CONTESTA TARSO GENRO E EXPLICA, DIDATICAMENTE, PORQUE O JULGAMENTO FOI UM PALHAÇADA.


Artigo do governador gaúcho em pleno julgamento da Ação Penal 470 revoltou lideranças do PT; Tarso Genro disse que sustenta que o processo foi "devido" e "legal"; leia a resposta escrita pelo jurista Luiz Moreira


247 - "Sustento que o processo foi 'devido' e 'legal'", escreveu o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), sobre o julgamento da Ação Penal 470 em artigo publicado por 247 (leia aqui) que não caiu bem enre lideranças petistas. No texto, Tarso Genro diz que  "Seu resultado não está manchado de ilegitimidade: os procedimentos garantiram a ampla defesa dos réus e, embora se possa discordar da apreciação das provas e da doutrina penal abraçada pelo relator ('domínio funcional dos fatos'), a publicidade do julgamento, a ausência de coerção insuportável sobre os Juízes - inclusive levando em conta que boa parte deles foi nomeada pelo próprio Presidente Lula - dão suficiente suporte de legitimidade à decisão da Suprema Corte".
A resposta veio em artigo do jurista Luiz Moreira, que segue abaixo:
OS EQUÍVOCOS JURÍDICOS DO GOVERNADOR TARSO GENRO
Luiz Moreira
Uma das facetas mais preocupantes do atual constitucionalismo é a tentativa de submeter o real ao jurídico. Essa tentativa de colonização do mundo da vida pelo jurídico se realiza mediante um alargamento do espectro argumentativo, desligando a argumentação jurídica de qualquer vinculação à lei. É a partir desse pressuposto que, em artigo publicado no portal Carta Maior(*), o Governador Tarso Genro afirma que "todo o Estado de Direito tem espaços normativos amplos para permitir-se, com legitimidade, tanto condenar sem provas como absolver com provas, nos seus Tribunais Superiores".
Quer dizer então que nas democracias ocidentais a legitimidade decorre das Cortes Constitucionais? Que a democracia emana do direito? Essas duas perguntas convergem para um quadro teórico incapaz de captar o sentido da modernidade.
O sentido da modernidade é o expresso por Newton, na física, e por Kant, na filosofia, ou seja, estabelece-se com a elevação da crise à estrutura racional, tanto no patamar teórico, como no prático. É isso que levou Henrique Lima Vaz a afirmar que na modernidade a racionalidade nomotética é substituída pela hipotética. Essa mesma questão é respondida de modo muito perspicaz por Napoleão Bonaparte ao afirmar que o mundo moderno surge quando a tragédia grega é substituída pela política. Não havendo mais oráculos para consultar, nem sacralidades donde se deduzem respostas, as decisões passam a ser dos cidadãos que, associadamente, são plenipotenciários. Não se trata de simples separação do poder em esferas autônomas, conforme uma organização horizontal, mas de estabelecer uma verticalidade, com a qual o exercício funcional do poder se submete à soberania popular. Para ser legítimo o Estado se submete ao poder dos cidadãos, estabelecendo-se o que se chama  soberania popular, com a qual aos poderes políticos compete a direção dos negócios estatais. Portanto, não havendo Estado legítimo sem democracia, é o governo que asperge legitimidade às manifestações estatais.
Disso decorre uma primeira distinção que os juristas no Brasil teimam em não admitir e que perpassa o artigo do Governador Tasso Genro. É que do Estado Democrático de Direito a novidade entre nós é apenas a democracia. Todas as ditaduras brasileiras tiveram ordenamentos jurídicos sofisticados e o Supremo Tribunal Federal conviveu pacificamente com a ausência de democracia no Estado de Direito brasileiro. Suprimiram-se as eleições, houve intervenção nos Parlamentos, mas negócios e obrigações jurídicos foram normalmente celebrados, tudo devidamente chancelado pelo Judiciário brasileiro.
Outro equívoco cometido pelo Governador Tasso Genro é a combinação de autores tão distintos como Kelsen e Marx. Explico: o propósito dessa associação é o de conferir ares de vanguarda aos Tribunais Constitucionais. Sabe-se que Marx foi o mais arguto intérprete do capitalismo, sendo também conhecido como um dos "mestres da suspeita". Se essa análise do capitalismo lhe conferiu lugar junto aos clássicos do pensamento ocidental, do ponto de vista político lhe reservou assento entre os teóricos que rompem com os grilhões que dominam as consciências. Outra é a perspectiva de Kelsen ao formular os tribunais e a de sua institucionalização na Europa continental.
Kelsen propõe a adoção de tribunais constitucionais num contexto europeu entre as duas grandes guerras. Vivia-se a quebra de paradigmas hermenêuticos, sobretudo com a entronização do particular sobre o universal. Essa perspectiva gera a insuscetibilidade de submissão de uma interpretação a outra, mas também garante que não haja supremacia cultural de um país sobre outro, o que se institucionalizava com a supremacia parlamentar, vez que cabia aos parlamentos a representação das distintas visões de mundo. Daí a máxima segundo a qual "cada cabeça uma sentença". Festeja-se com isso a diversidade cultural e um grau razoável de autonomia da sociedade civil ante o Estado.
Ora, os tribunais constitucionais logram institucionalização por intermédio de um ato político decorrente da vitória norte-americana na segunda grande guerra. A fim de esmagar a diversidade cultural, as distintas visões de mundo e a submeter a todos a uma mesma orientação, passada a guerra os Estados Unidos impuseram aos vencidos a adoção de tribunais constitucionais. O exemplo alemão é marcante. Sem eleições e tampouco sem democracia foi outorgada uma Lei Fundamental e criado o tribunal constitucional na Alemanha. Como compatibilizar a existência de um tribunal dito constitucional se não há Constituição? A resposta é simples: o exercício funcional do poder pode perfeitamente ser jurídico sem ser democrático.
Se o modelo dos tribunais constitucionais é imposto à Europa como conseqüência aos regimes totalitários, houve algo profundamente nazista que sobreviveu à guerra. Trata-se daquilo presente nas cartas do ministro da justiça do Reich: o apelo ao contorno às leis, às suas prescrições e sua substituição pela concreção dos ideais nazistas que deveriam ser operada pelos juízes. O que se pretendeu com isso? Estabelecer o primado da interpretação judicial sobre a lei. O propósito é claro: trata-se de conferir à interpretação realizada pelo judiciário supremacia política, operada por uma argumentação sem peias, pela qual ao magistrado é conferido o papel de oráculo.
Nesse contexto, é preciso enfrentar a questão atinente à relação entre direito e política. O Governador Tasso Genro defere às Cortes Constitucionais um protagonismo tal que chega a deferir-lhe papel de mediador entre projetos sociais e políticos antagônicos. Nesse sentido, então, o Judiciário seria uma espécie de poder moderador. Essa afirmação contraria profundamente todo o projeto político libertário que a modernidade pode conter. Quer dizer então que a democracia, o poder constituinte permanente existente na sociedade civil, precisa ser domada por uma instituição não popular? Que diferença qualitativa há então entre esse projeto e o do Leviatã de Hobbes?
A única razão de ser que legitima a existência das Cortes Constitucionais é o seu papel de poder contra majoritário, de modo a represar manifestações violentas e arbitrárias da maioria ante minorias, ainda que apenas simbólicas. Por isso, seu poder é circunscrito aos direitos e garantias fundamentais, vinculando-os estritamente a constatar o que foi prescrito pelos poderes políticos (a lei) e pelo que foi produzido pelas partes nos processos judiciais.
Por último, o Governador Tarso Genro assevera que o processo do "mensalão" foi "devido", "legal" e "legítimo". No meu entender, equívocos foram cometidos e que levantam questionamentos sobre a correção do julgamento, entre eles: (1) a opção pelo fatiamento do julgamento; (2) a falta de individualização das condutas e sua substituição por blocos e (3) a ausência de provas e a aplicação dos princípios do direito civil ao direito penal.
(1)  Com o propósito de garantir a supremacia de uma ficção foi estabelecida a narração como método em uma ação penal. Como no direito penal exige-se a demonstração cabal das acusações, essa obra de ficção foi utilizada como fundamento penal. Em muitas ocasiões no julgamento foi explicitada a ausência de provas. Falou-se até em um genérico "conjunto probatório", mas nunca se apontou que prova, em que folhas, o dolo foi comprovado. Foi por isso que se partiu para uma narrativa em que se gerou uma verossimilhança entre a ficção e a realidade. Estabelecida a correspondência, passou-se ao passo seguinte que era o de substituir o exame da acusação pela comprovação das teses da defesa. Estava montado assim o método aplicado nesse processo, o de substituir a necessária comprovação das teses da acusação por deduções, próprias ao método narrativo.
(2)  Como se trata de uma ficção, o método narrativo não delimita a acusação a cada um dos réus, nem as provas, limita-se a inseri-los numa narrativa para, após a narrativa, chegar à conclusão de sua condenação em blocos. O direito penal é o direito constitucional do cidadão em ter sua conduta individualizada, saber exatamente qual é a acusação, saber quais são as provas que existem contra ele e ter a certeza de que o juiz não utiliza o mesmo método do acusador. É por isso que cabe à acusação o ônus da prova e que aos cidadãos é garantida a presunção de inocência. Nesse processo, a individualização das condutas e a presunção de inocência foram substituídas por uma peça de ficção que exigiu que os acusados provassem sua inocência.
(3)  Por diversas vezes se disse que as provas eram tênues, que as provas eram frágeis. Como as provas não são suficientes para fundamentar condenações na seara penal, substituíram o dolo penal pela culpa do direito civil. A inexistência de provas gerou uma ficção que se prestou a criar relações entre as partes de modo que se chegava à suspeita de que algo houvera ali. Como essa suspeita nunca se comprovou, atribuíram forma jurídica à suspeita, estabelecendo penas para as deduções. Com isso bastava arguir se uma conduta era possível de ter sido cometida para que lhe fosse atribuída veracidade na seara penal. As deduções realizadas são próprias ao que no direito se chama responsabilidade civil, nunca à demonstração do dolo, exigida no direito penal, e que cabe exclusivamente à acusação.
Luiz Moreira é Doutor em Direito e Mestre em Filosofia pela UFMG. Professor universitário. Diretor Acadêmico da Faculdade de Direito de Contagem.


EM DURO ATAQUE ÀS ELITES E AO SUPREMO, "COLONISTA" DA ÉPOCA DEFENDE LULA E DIZ QUE A DITADURA GOSTAVA DE CRIMINALIZAR A POLÍTICA


DITADURA GOSTAVA DE CRIMINALIZAR A POLÍTICA

11:08, 25/10/2012
Paulo Moreira Leite
Política, eleições Tags: Mensalão, STF    

Eu estava nos EUA, em 2000, quando George W. Bush tornou-se presidente por decisão da Suprema Corte. Havia ocorrido uma fraude na Flórida, que necessitava recontar seus votos. A Suprema Corte, de folgada maioria republicana, decidiu interromper o processo e deu posse a Bush. Nós sabemos as consequências.

Em 2009, quando Manoel Zelaya foi deposto em Honduras, a Corte Suprema local deu respaldo ao golpe.

O mesmo ocorreu no Paraguai, quando Fernando Lugo foi afastado do cargo sem direito de defesa, por uma acusação que, está demonstrado agora, não tinha fundamento em provas – mas em denúncias que, conforme a oposição não teve medo de anunciar, envolviam fatos que “todo mundo sabe.”

Para quem só enxerga uma face da Operação Mãos Limpas, não custa recordar que a Justiça italiana  colocou muitos corruptos fora de combate na Itália e transformou o bunga-bunga Silvio Berlusconi no grande protagonista da política atual italiana. Os partidos foram destruídos e, em seu lugar, ficou uma rede de TV. Quem é o dono? O bunga-bunga. É tão bunga que, quando os mercados quiseram afastá-lo do cargo, foi preciso convencer Berlusconi a renunciar. Não havia quem desse a bungada de misericórdia.

Lembra da guilhotina da revolução francesa? Após dois anos de terror, de condenados em processos sumários, o saldo foi o esvaziamento da democracia e a lenta recuperação da aristocracia. Depois de guerras e ditaduras, proclamou-se o Império.

É claro que esses fatos servem de advertência e angustia diante do julgamento do mensalão.

O Supremo está diante de crimes graves, que devem ser investigados e punidos.  O inquérito da Polícia Federal aponta para vários crimes bem demonstrados.

Mas não dá para aceitar longas condenações sem que as acusações não estejam provadas nem demonstradas de forma clara e consistente. O  mesmo inquérito não oferece base para denúncias contra vários condenados. O confronto de depoimentos e as mudanças de versões da principal testemunha, Roberto Jefferson, mostra a fragilidade da acusação.

Vamos reconhecer o seguinte. Não tenho condições de afirmar, entre 38 réus, quantos foram condenados com provas e quantos não foram. Não conheço cada caso em cada detalhe. As confusões das votações e debates sobre as penas mostram que os próprios

ministros têm dificuldade para armazenar tantas informações, o que não diminui a responsabilidade de cada um deles pelo destino de todos.

Embora tivesse até uma conta em paraíso secreto, o publicitário Duda Mendonça saiu são e salvo do processo. Me explicam que seu advogado fez uma defesa técnica e nada se provou que pudesse demonstrar seu envolvimento no caso.

Me parece impecável.

E justo, porque embora se possa falar em domínio do fato, é preciso mostrar quem tinha o domínio em cada fato.

José Dirceu e José Genoíno estão sendo condenados porque “não se acredita” que não tivessem participado  de nada…Não é possível, dizem.

Dirceu era o chefe…Genoíno assinou um cheque.

O problema é que a denuncia é de 2005 e até hoje não surgiu uma prova consistente para condená-los.

Eu posso até “imaginar” uma coisa. Mas o fato de poder imaginar, admitir que faz muita lógica, não quer dizer que tenha acontecido.

O risco é alvejar pessoas honradas em nome da indignação popular, estimulada por uma visão unilateral da acusação e da defesa. Nem todos os meios de comunicação cobrem o caso da mesma maneira. Mas é fácil perceber o tom da maioria, certo?

Assim se cria um ambiente de linchamento, que pode ocorrer até em situações que ninguém acompanha. A justiça brasileira está cheia de cidadãos – anônimos e pobres, de preferencia – que são julgados e condenados a penas longas e duríssimas até que, anos e até décadas depois, descobre-se que foram vítimas de um erro e de uma injustiça.

De vez em quando, um deles consegue uma reparação pelo erro. As vezes, a vítima já morreu e seus parentes recebem alguns trocados. Às vezes, fica tudo por isso mesmo.

O cidadão tem medo de ser vítima de uma nova injustiça e não faz nada.

Nesta semana, o ministro Celso Mello comparou o mensalão ao PCC e o Comando Vermelho.

Num raciocínio semelhante, Gilmar Mendes sugeriu  que, embora não tenha cometido atos de violência, a “quadrilha”, essencialmente, agia como uma organização de criminosos comuns.

Os dois ministros têm uma erudição jurídica reconhecida. Expressaram suas convicções com competência e lógica. Não é só por educação que admito minha ignorância para falar de seus votos.

Mas essas comparações não fazem justiça a cultura que possuem.

Nos piores momentos do regime militar, os brasileiros que enfrentavam a ditadura de armas na mão eram descritos como “assaltantes de banco”, “ladrões”, “assassinos” ou “terroristas.” Até menores de idade foram presos – sem julgamento – com essa acusação.

As organizações armadas cometeram assaltos e sequestros. Também cometeram ações que resultaram em mortes, algumas na forma de justiçamento.

Seria correto comparar Carlos Marighella ao Bandido da Luz Vermelha? Ou Lamarca ao Cara de Cavalo? Ou então, como fez um promover louco para puxar o saco de militares, dizer que Dilma Rousseff, da Var Palmares, era a papisa da subversão?

Deu-se o golpe de 64 com a alegação de que se deveria eliminar a subversão e a corrupção. Uma coisa leva a outra, dizia-se. E era por isso que era preciso ligar uma coisa a outra. O PCB estimulava a corrupção como forma de desagregar o país, escreveu um dos editores da Tribuna da Imprensa, um dos principais envolvidos no golpe, logo depois da vitória dos militares. Vamos ler:

–Na maioria das vezes (os comunistas) são traidores. Outras, são mercenários; outras ainda, carreiristas; outras mais negocistas satisfeitos, que recebem todo o apoio do partido, pois uma das coisas que mais preocupa os agitadores é a corrupção, e assim eles a estimulam de todas as formas, pois sabem que não há melhor forma de estimular a desagregação de um país. (Prefácio do livro  Brasil – 1 de abril, de Araken Alcantara)

A comparação entre o esquema político de Marcos Valério e Delúbio Soares – com todos os crimes apontados – com quadrilhas criminosas é tão absurda que eu pergunto se essa visão  estará de pé, no Supremo, quando (e se) o mensalão PSDB-MG for a julgamento. Duvido por boas e más razões que você sabe muito bem quais são.

É fantasia falar em quadrilha que opera nos subterrâneos do poder.

Por mais que muitas pessoas não enxerguem – e outras não queiram enxergar – diferenças entre os partidos políticos e organizações criminosas, eles tem projetos diferentes, visões diferentes e assim por diante.

Por mais que se queira criminalizar a atividade política – é isso o que acontece hoje – é pura miopia confundir políticos e bandidos comuns. Não é uma questão de classe social, nem de status ou coisa semelhante.

É uma questão de atividade profissional, digamos assim.

Eu acho diferente controlar o território numa favela para vender cocaína e colher contribuições financeiras para disputar uma eleição. Mesmo que se deva considerar um desvio de verbas públicas como um crime gravíssimo, eu acho que é diferente quando se comete um assalto a mão armada, um assassinato, o justiçamento,  como método de trabalho.

E eu acho que um crime com homicídio é diferente daquele que não usa violência.

Mesmo frequentando uma zona de cinzenta da política brasileira que é o mundo das finanças partidárias – quem cunhou a expressão foi o filósofo tucano José Arthur Gianotti – José Genoíno tem o direito de assegurar que só fez o que era “legítimo e necessário.”

Da mesma forma, José Dirceu tem toda razão em sustentar: “nunca fiz parte de uma quadrilha.” Quem discorda, prove.

Não vale ganhar no grito, na dedução, no discurso. A gente sabe como se tentava demonstrar – sem provas — que Marighella, Lamarca, Cara de Cavalo e o Bandido da Luz Vermelha eram as mesmas pessoas.

O mundo real das finanças de campanha, organizadas e estruturadas para permitir o acesso do poder privado ao Estado, impõe uma realidade material aos partidos que, em todo lugar, precisam de recursos para buscar votos, montar estruturas, contratar funcionários e assim por diante.

Não custa lembrar: o PCC persegue e mata policiais, planeja o assassinato de juízes. Controla o sistema carcerário em São Paulo e impõe a paz de sua conveniência em várias regiões miseráveis do Estado.

O Comando Vermelho tem ligações conhecidas com o narcotráfico colombiano e controla parte do território do Rio de Janeiro. Está intregrado à rede de tráfico de armas.

De uma forma ou de outra, estamos falando de bandidos comuns e essa distinção é necessária. São pessoas que  cometem  crimes com a finalidade de praticar mais  crimes.

A ministra Rosa Weber estabeleceu muitas distinções em seu voto.

Observadores que tentam   nivelar uma coisa e outra praticam é  uma demagogia baixa, de quem investe na ignorância e desinformação do eleitor. Achar que o julgamento mostra que  os poderosos vão para a cadeia é vender uma visão ridícula.

Primeiro, porque se houvesse mesmo essa disposição, a turma do mensalão PSDB-MG estaria sentada no mesmo banco dos réus petistas, já que respondem pelos mesmos crimes.

Segundo, porque é preciso ser tolo, maldoso, para sugerir que José Genoíno pode ser chamado de rico e poderoso.

Terceiro:  se  você acha que, ah… mas há algo de errado com José Dirceu, precisa não só admitir que Genoíno não pode pagar por aquilo que se imputa a Dirceu – mas também deve lembrar que o ex-ministro da Casa Civil teve o sigilo bancário e fiscal quebrado e nada se encontrou de comprometedor.

Alvo de um linchamento de caráter político no passado, o ex-ministro Alceni Guerra já comparou seu drama pessoal ao de Dirceu e disse que eram casos semelhantes.

As duas únicas historinhas que pareciam  comprometedoras contra o ex-ministro da Casa Civil não resistiram ao confronto de provas e versões.

Quarto: embora se diga que o mensalão está provado, até agora não surgiu um caso, sequer um, de político que tenha vendido seus votos. Nenhum. (E não vou falar da emenda da reeleição, compra assumida, confessada e gravada. Nem de denuncias de troca de favores e cargos na administração pública pelo mesmo motivo…)

A base desse argumento é a visão criminalizada de que toda aliança é um ato de suborno e todo acordo político é uma negociata. Quem fala que partidos que mudam de posição depois da eleição está cometendo um crime precisa me explicar como ficam os Verdes

alemães, que ora são social-democratas, ora estão com a conservadora Angela Merkel.

Também poderia fazer isso com o PPS que mudou de lado depois de 2002, com políticos que trocam de partidos, com quem funda partidos novos. Tudo é pilantragem?

A melhor descrição do funcionamento das alianças políticas –e seus reflexos financeiros – foi feita por Eliane Cantanhede na biografia do vice presidente José Alencar. É tão desfavorável à  acusação que vários parágrafos da obra foram incorporados ao processo pela defesa de Delúbio Soares – como argumento de sua inocência!

Embora a denuncia tenha tantas suposições falsas e conclusões imaginativas que se pode apontar para muita acusação sem base, estou  convencido de que, como sempre acontece em sistema de arrecadação financeira, ocorreram desvios — mas nem tudo é criminoso. Há fatos verdadeiros e é importante que sejam punidos. Mas é preciso, como se diz, separar uma coisa da outra.

É lamentável que erros do passado não tenham sido investigados e punidos. Mas concordo que erros do passado não justificam erros do presente. Mas pelo menos deveriam servir de lição para quem diz que “agora”a justiça ficou s igual para todos.

Querem punir os ricos e poderosos com o mensalão?

Marcos Valério não terminou o curso de engenharia.

Os banqueiros que podem parar na prisão não tem o lastro financeiro nem político de empresários que até agora ficaram de fora.

Convém pelo menos calibrar a demagogia.

Com todas as distorções, arrecadações financeiras fazem parte da política, essa atividade criada pelo homem para resolver diferenças e defender interesses com métodos mais ou menos civilizados. Ela que torna possível,  nos regimes democráticos, que a maioria possa defender seus direitos. E também permite que a minoria possa expressar-se.

O objetivo era levantar  recursos financeiros para as campanhas eleitorais de um governo que – eu acho que nem a oposição mais cega discute isso – que reorientou o Estado no sentido de favorecer a população mais humilde.

Um fato fica para você resolver. Tudo pode ser uma coincidência histórica. Mais uma vez.

Ou pode ser que muitas pessoas estejam felizes com o STF porque essa “turma do PT está “tomando uma lição”.

Nós sabemos os vários significados de “turma do PT”—os bairros onde seus eleitores moram, o salário que recebem, escolas e hospitais que frequentam, e assim por diante.

O governo Lula tomou medidas notáveis e muito eficazes para defender a Lei, a Ordem e a Justiça.

A saber:

a)   financiou as UPPs que emanciparam os moradores das favelas do Rio de Janeiro do controle do tráfico e só não fez o mesmo, em  São Paulo, porque as autoridades  se consideram mais capazes para dar conta do PCC;

b)   protegeu a autonomia do Ministério Público, nomeando para seu comando os procuradores mais votados, embora o governo avaliasse que eles tivessem uma postura oposicionista, motivo que já levou governadores da oposição a descartar reitores e procuradores gerais que eram preferidos de suas corporações;

c)   respeitou o Supremo a ponto de nomear juízes com independência, que hoje asseguram uma maioria de votos contra o ponto de vista do PT e seus aliados;

Estamos  falando de fatos de domínio público. Não são segredos imaginados, sugeridos, deduzidos. E é um fato de domínio público que a política, sob qualquer partido, para qualquer candidato, irá entrar na zona cinzenta de Gianotti.

É curioso notar que nenhuma mudança neste sistema pode ser realizada, até agora, porque aqueles políticos que se dedicam a denunciar  Lula e o PT não querem abrir mão de seus canais com o poder econômico privado e impedem que o país adote um sistema de financiamento público de campanhas.

Com essa mudança,  seria possível corrigir as principais distorções. As verbas seriam controladas pelo Estado, com uma contabilidade oficial, e  cada partido receberia recursos em função de seus votos. A oposição não aceita. Sabe por que?

Porque tem recebido tão poucos votos que ficaria em desvantagem. Embora tenha-se feito uma oferta para garantir um piso financeiro, ela não mudou a postura.

Prefere o dinheiro privado, particular. Mas anda tão ruim de voto que, para evitar o desperdício, tem sido até abandonada por seus financiadores tradicionais.

É mesmo de dar pena, não?

Prefiro uma democracia que funcione com defeitos – que podem ser corrigidos – do que qualquer solução  sem o respeito pelos direitos integrais dos acusados, mesmo que produzida em nome de princípios que muit
os aplaudem sem medir suas consequências para o país


MAGNOLI: O "PT" NÃO É QUADRILHA



Quadro do Instituto Millenium, o sociólogo diz que a legenda é a “representação partidária de uma parcela significativa dos cidadãos brasileiros”. Ele reconhece ainda que a propaganda de José Serra se deixou contaminar pelo “desespero’’ e que a oposição brasileira se encontra em “estado falimentar”; mea culpa?

Fernando Haddad está cercado por José Dirceu e Paulo Maluf. Sobre Dirceu, aparece a palavra “condenado”; sobre Maluf, “procurado”. Contaminada pelo desespero, a propaganda eleitoral de José Serra não viola a verdade factual, mas envereda por uma perigosa narrativa política. O candidato tucano está dizendo que eleger o petista equivale a colocar uma quadrilha no comando da prefeitura paulistana. A substituição da divergência política pela acusação criminal evidencia o estado falimentar da oposição no país e, mais importante, inocula veneno no sistema circulatório de nossa democracia.
Demóstenes Torres foi expulso do DEM antes de qualquer condenação, quando patenteou-se que ele operava como despachante de luxo da quadrilha de Carlinhos Cachoeira. José Dirceu foi aclamado como herói e mártir pela direção do PT depois da decisão da corte suprema de uma democracia de condená-lo por corrupção ativa e formação de quadrilha. O mensalão é um tema legítimo de campanha eleitoral e nada há de errado na exposição dos vínculos entre Haddad e Dirceu. Contudo, a linguagem da política não deveria se confundir com a linguagem da polícia.
Dirceu permanece na alta direção petista, pois é um dos artífices de uma concepção da política que rejeita a separação entre o Estado e o partido. No mensalão, a imbricação Estado/partido assumiu o formato de um conjunto de crimes tipificados. Entretanto, tal imbricação manifesta-se sob as formas mais diversas desde que Lula subiu a rampa do Palácio do Planalto. O código genético do mensalão está impresso no movimento de partidarização da administração pública, das empresas estatais, dos fundos de pensão, dos sindicatos, das políticas sociais e da política externa conduzido ao longo de uma década de lulismo triunfante. Na linguagem da política, Dirceu figuraria como símbolo da visão de mundo do lulo-petismo. Mas a campanha de Serra não é capaz de escapar ao círculo de ferro da linguagem policial.
A Interpol define Paulo Maluf como um foragido da Justiça. Lula e Haddad não se limitaram a firmar um pacto eleitoral com o partido de Maluf, mas peregrinaram até a mansão do fugitivo para desempenhar o papel abjeto de cortejá-lo como liderança política. Faz sentido divulgar, no horário de campanha, as imagens da macabra confraternização. Contudo, uma vez mais, seria indispensável traduzir o evento na linguagem da política, que não é a da Interpol.
Maluf é um caso extremo, mas não um ponto fora da curva. Lula e o PT insuflaram uma segunda vida aos cadáveres políticos de Fernando Collor, Jader Barbalho, José Sarney, Renan Calheiros e tantos outros. As alianças recendem a oportunismo, um vício menor, mas a extensão da prática exige uma explicação de fundo. O paradoxo aparente do encontro entre “esquerda” e “direita” é fruto de um interesse compartilhado: a continuidade da tradição patrimonial de apropriação da “coisa pública” pela elite política. As “estranhas alianças” lulistas funcionam como ferramentas para a repartição do imponente castelo de cargos públicos na administração direta e nas empresas estatais. Até hoje o Brasil não concluiu o processo de criação de uma burocracia pública profissional. Na linguagem da política, a confraternização de Lula e Haddad com Maluf ajudaria a esclarecer os motivos desse fracasso. Mas a propaganda eleitoral de Serra preferiu operar em outro registro.
A campanha do tucano oscila entre os registros administrativo, moral e policial, sem nunca sincronizar o registro político. De certo modo, ela é um reflexo fiel da falência geral da oposição, que jamais conseguiu elaborar uma crítica sistemática ao lulo-petismo. Entretanto, nas circunstâncias produzidas pelo julgamento do mensalão, a inclinação oposicionista a apelar para a linguagem policial tem efeitos nefastos de largas implicações. Na democracia, não se acusa um dos principais partidos políticos do país de ser uma quadrilha.
O PT não é igual à sua direção eventual, nem é uma emanação da vontade de Dirceu ou mesmo de Lula. O PT não se confunde com o que dizem seus líderes ou parlamentares em determinada conjuntura, nem mesmo com as resoluções aprovadas nesse ou naquele encontro partidário. Embora tudo isso tenha relevância, o PT é algo maior: uma história e uma representação. A trajetória petista de mais de três décadas inscreve-se no percurso da sociedade brasileira de superação da ditadura militar e de construção de um sistema político democrático. O PT é a representação partidária de uma parcela significativa dos cidadãos brasileiros. A crítica ao partido e às suas concepções políticas não é apenas legítima, mas indispensável. Coisa muito diferente é tentar marcá-lo a fogo como uma coleção de marginais.
O jogo do pluralismo depende do respeito à sua regra de ouro: a presunção de legitimidade de todos os atores envolvidos. Nas democracias, eleições se concluem pelo clássico telefonema no qual o derrotado oferece congratulações ao vencedor.
Em 1999, após o terceiro insucesso eleitoral de Lula, o PT violou a regra do jogo, ao desfraldar a bandeira do “Fora FHC”. Serra ficou longe disso dois anos atrás, mas seu discurso de derrota continha a estranha insinuação de que a vitória de Dilma Rousseff representaria uma ameaça à democracia. Agora, na eleição paulistana, a propaganda do tucano sugere que um triunfo de Haddad equivaleria à transferência da prefeitura da cidade para uma quadrilha. Na hipótese de derrota, como será o seu telefonema de domingo à noite?
Marqueteiros designam ataques ao adversário eleitoral pela expressão “propaganda negativa”. O rótulo dos vendedores de sabonete abrange tudo, desde a crítica política fundamentada até as mais sórdidas agressões pessoais. O problema da campanha de Serra não está no uso da “propaganda negativa”, mas na violação da regra do jogo. Não é assim que se faz oposição.
Demétrio Magnoli é sociólogo.

                                                                                                  No   Brasil 247
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