A semana que passou acabou marcada por uma importante mudança geométrica na sociedade brasileira: deixamos de constituir uma pirâmede social, com poucos ricos na ponta superior e uma legião de excluídos na base, e nos tornamos um losango,com a barriga inchada pelos mais de 100 milhões de conterrâneos da nova classe média.
Falando assim em números e figuras geométricas, talvez muitos ainda não se tenham dado conta ainda de que a paisagem humana mudou na última década, qualquer que seja o lugar onde a gente vá.
Aquele Brasil governado historicamente para os 30 milhões de eleitos com acesso ao consumo mais do que triplicou neste período e isto trouxe mais gente para viajar de avião, mais carros para congestionar as ruas, mais filas nos supermercados, novas obras de edifício por toda parte, hotéis superlotados, praias apinhadas de gente, falta de mesas para sentar nos botecos.
Neste sábado, em dois eventos musicais, pude constatar que mais uma barreira social se rompeu em nosso país: os mais pobres estão tendo acesso também à cultura.
À tarde, no 1º Santinha Cultural promovido no teatro do Colégio Santa Cruz, tradicional reduto da elite paulistana, encontrei 60 crianças da Comunidade do Jaguaré (a reurbanizada Favela do Jaguaré) para assistir ao show infantil apresnetado pelo grupo de Rita Rameh e Luiz Waack, que se apresentaram sem cobrar cachê.
Há mais de 50 anos, desde o tempo em que eu estudava lá, professores, pais e alunos do Santa Cruz dedicam-se a projetos sociais no Jaguaré, que atualmente beneficiam 800 crianças.
Na bagunça formada em frente ao palco com todas as crianças brincando ao final do show, ficava difícil saber quem era aluno do Santa Cruz e quem tinha vindo num ônibus fretado do Jaguaré: eram todas crianças bem cuidadas, bem vestidas, alegres na mesma medida. Creio que esta foi a maior revolução promovida no país neste meio século.
Para quem podia pagar, o ingresso custava R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia), com renda revertida para os projetos sociais. Alunos do Santa Cruz eram minoria. Contatos para quem quiser contratar o belho show musical infantil Rita e Luiz:
e-mail: rita.rameh@terra.com.br
fone: 3815 4653
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À noite, na abertura oficial da temporada 2011 da Bachiana Filarmônica SESI SP, comandada pelo meu amigo maestro João Carlos Martins, na Sala São Paulo, reparei logo ao chegar que havia gente nova chegando a um ambiente tão fechado em que até pouco tempo atrás todos se conheciam.
Com roupas mais esportivas, mais jovens e falando falando mais alto, sem aquele ar de quem está entrando num templo sagrado, esta nova platéia da música clássica em São Paulo aplaudiu várias vezes de pé as Sinfonias de Beethoven e os tangos em homenagem aos 90 anos de astor Piazzolla.
O grande momento da noite foi a estréia do jovem solista Lucas Targino Farias, de 12 anos, apresentado-se no Concerto Para Violino em Lá menor. Nascido em Guarulhos, bolsista da Fundação Bachiana Filarmônica, Lucas estuda com a professora Elisa Fukuda.
A homenageada da noite foi a executiva Marluce Dias da Silva, ex-diretora-geral da Rede Globo. Ao final, apresentou-se com a orquestra o percussinista Bolão levando Bach na cuíca. A plaéia não queria mais que o espetáculo acabasse e Martins teve que voltar duas vezes ao palco. Mais tarde, ele e a sua fiel mulher escudeira Carmem, ainda ofereceram um belo risoto para os amigos.
Com o apoio do SESI, e grandes empresas como Bradesco, Gerdau, Petróleo Ipiranga, Honda e Ecom, Martins levou seu projeto de popularização da música clássica a 350 mil pessoas no ano passado.
Na Fundação Bachiana Filarmônica, João Carlos Martins e sua equipe cuidam do ensino musical de 1.165 crianças de comunidades carentes. Os que não se tornarem novos virtuoses da orquestra de adultos, como Lucas Farias, certamente formaram as novas platéias da melhor música clássica. O que era para poucos agora é para muitos.
Fonte: Balaio do Kotscho