quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O DIABO NO MEIO DO "MENSALÃO"


Por Miguel do Rosário, no blog O Cafezinho:
O diabo existe? A pergunta é falsamente ingênua, porque esconde uma dúvida metafísica muito complexa sobre a existência ou não do mal. Riobaldo, o protagonista de Grande Sertão, acha que todos os sábios deveriam se reunir para decidirem, de uma vez por todas, se há ou não um capeta assombrando o mundo.


A mídia brasileira encontrou, nos ministros do Supremo Tribunal Federal, os sábios que faltaram à Riobaldo: sete juízes entenderam que sim, que o diabo existe, ou seja, que o mensalão foi compra de voto de parlamentares.


A Procuradoria, as CPIs e toda a mídia brasileira, passaram quase sete anos à procura de um testemunha ou prova consistente que afirmasse a tese da compra de voto. Centenas – talvez milhares – de pessoas foram interrogadas, entrevistadas, devassadas, e todos asseguraram que não, que não houve venda de voto. Não importa. A nossa democracia agora é governada por sete sábios. São eles que dão a palavra final.

O STF produziu uma armadilha para si mesmo, e entrou nela. Desde o início dos debates, muita gente via, estarrecida, que os ministros enveredavam por uma trilha perigosíssima, ao estabelecerem que não havia necessidade de provas ou “atos de ofício” para condenarem os réus. Então, quando todos achavam que o festival de arbitrariedades havia atingido o clímax, eis que ele piora, e o ministros, constrangidos pela dificuldade em condenar sem “ato de ofício”, decidem que o ato de votar é o crime final do parlamentar envolvido no escândalo do mensalão.

Os ministros, no afã de demonstrar a existência do Dito-Cujo, trouxeram-no para dentro do tribunal. Em algum momento dos debates, veremos um redemoinho de papéis num canto do salão. É ele mesmo, o Sem-Nome, rindo-se dos juízes, da imprensa, de nós todos.

Outrora dizia-se que ainda havia juízes em Berlim. Grande ironia da história! Quando a democracia desaba, encontra-se um ou dois juízes tentando salvá-la. Quando a democracia chega a seu momento mais pujante, eis a maioria dos juízes disputando quem a violenta primeiro.

Por sorte ainda temos Wanderley Guilherme, e Blaise Pascal. O primeiro nos lembra o óbvio: que todo acordo eleitoral implica em convergência política. Quando dois partidos fazem um acordo, não é para “inaugurar retratos” nas respectivas sedes. Consegue-se o apoio de uma legenda com o fim de que seus parlamentares concretizem essa parceria na forma de votos. E apoio político, numa democracia altamente concorrencial e capitalista como a brasileira, implica, necessariamente, em acordos eleitorais envolvendo despesas de campanha. Criminalizar isso é criminalizar a própria democracia. É glorificar a hipocrisia.

Se o mensalão foi compra de votos, ou seja, se o governo comprou a consciência dos políticos, então a reeleição de Fernando Henrique Cardoso foi o quê? A própria Constituição de 1988 teria sido “comprada”? Sim, porque não é sensato pensar que os parlamentares que a promulgaram não receberam dinheiro para tocar suas respectivas campanhas, sendo que boa parte desses recursos, provavelmente, não foi contabilizada. A sabatina de cada ministro do STF também não foi objeto de comércio ilegal? Como o STF pode saber, aliás, qual exatamente foi o voto comprado? Um parlamentar pode receber dinheiro hoje por um voto que já deu na semana anterior. Pode receber adiantado para votar daqui a um mês. Ou seja, até a “coincidência” da datas, que os juízes estão ridiculamente usando como indício de crime, não significa absolutamente nada!

O que os ministros estão fazendo, para o deleite da mídia conservadora, é criminalizar a política brasileira. O discurso de Celso Mello, ontem, representou uma agressão insuportável aos valores democráticos e à nossa própria soberania. Foi um discurso de golpe, com o qual se poderia justificar qualquer violência contra o sufrágio popular. Todos os preconceitos que emergiram com a vitória de Lula voltaram a se manifestar, com força total, nos recentes discursos desses magistrados. Por que não agiram com ira similar quando o réu era Daniel Dantas, um dos maiores corruptores de políticos de que se tem notícia?

Pascal, por sua vez, lembra-nos que “nada é justo em si” e que “nada é tão falível como essas leis que reparam as faltas: quem lhes obedece, porque são justas, obedece à justiça que imagina, mas não à essência da lei, que está encerrada em si: é lei e nada mais”.

Celso Mello e seus colegas deveriam reler Pascal antes de se arvorarem paladinos da justiça, da ética e da moralidade. Não porque não sejam éticos e justos, mas porque esses temas pertencem à esfera da pesquisa filosófica, e mesmo assim, objetos de infinitas controvérsias. Quando entra em jogo a política, então, nos deparamos com uma quantidade de areia muito superior ao caminhãozinho dos juízes.

Não questiono o saber jurídico dos excelentíssimos, mas que se atenham a examinar os autos, que para isso pagamos-lhes os salários. Deixem as interpretações arbitrárias sobre o fazer político para seus momentos de lazer.

Fonte:  Blog do Miro

HIPOCRISIA, TEU NOME É STF

Brincando de moralismo 
Por André Araújo

A última sessão do STF produziu um duríssimo voto do ministro decano da Corte, uma pregação moralista digna de um apostolo dos Evangelhos. Um visitante de Marte pensaria que o Caso mensalão é uma erupção vulcânica única no território brasileiro, que pegou o País de surpresa porque nunca antes tinha acontecido algo remotamente similar.
A coisa toda soa falsa porque o país convive com situações de conluios políticos continuados e de proporções maiores e mais graves desde a fundação da Nova República, apenas para delimitar um período, situações a que o tribunal assistiu impassível e tranquilamente.
O próprio ministro decano foi nomeado por um dos governos de maior vulnerabilidade ética desse período, o Governo Sarney. Essa mesma oligarquia conseguiu do complexo STF/TSE um feito extraordinário de altíssima controvérsia, a deposição do Governador do Maranhão Jackson Lago por firulas diminutas do processo eleitoral, nomeando-se em sequência a atual governadora Roseana Sarney, amplamente rejeitada pelos eleitores maranhenses, com votação muito inferior ao governador cassado. A interpretação do feito foi seletiva, invés de se fazer nova eleição colocou-se no lugar a segunda e muito mal votada herdeira da oligarquia, tudo com apoio do tribunal.
No julgamento do ex-presidente Collor, o mesmo decano que fustigou os imorais do mensalão votou pela absolvição do ex-presidente, cujo tesoureiro de campanha manipulou quantias em nome do presidente que fazem os valores do mensalão serem meros trocados. Não viu então o decano imoralidade suficiente para qualquer condenação e muito menos discurso moralista.
A própria história do Excelso Pretório conheceu muitas situações que passaram longe da moral e da ética. O ex-presidente do Supremo, José Linhares, empossado temporariamente na Presidência da Republica com a deposição de Getúlio Vargas em outubro de 1945, em 90 dias de mandato nomeou 61 parentes e quando censurado disse a frase célebre nos anais da Republica: "Prefiro ficar mal com a Pátria do que com a minha família."
Já o ex-presidente do STF Francisco Rezek, que deu votos favoráveis ao candidato Collor na campanha contra Lula, foi depois nomeado pelo eleito Presidente para Ministro das Relações Exteriores, notável conflito de interesses que o tribunal fingiu ignorar. Saído do Ministério o Chanceler Rezek regressou ao STF, na maior naturalidade, não se tendo registrado nenhuma estranheza na Corte.
No Governo Sarney um poderoso deputado federal, líder do Centrão, explicitou a barganha no Congresso com a célebre frase de São Francisco de Assis "É dando que se recebe", que embute no seu entendimento algo muito próximo ao mensalão, não se sabendo de qualquer reação, por mínima que fosse, da mais Alta Corte do País.
No Governo FHC ocorreram graves panes no terreno da moralidade politica. O caso da reeleição, o caso Sivam, o caso das teles, com a imorredoura frase "Estamos no limite da irresponsabilidade", proclamada pelo então vice presidente do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio, sobre as cartas de fiança do Banco pra certos grupos licitantes nos leilões. O STF assistiu a tudo isso, houve condenação moralista nesses casos de bilhões e não dos trocados mensalão? Nada. Os São Tomás de Aquino nada viram.
No tema PROER o período assistiu a quebra de enormes bancos como Econômico, Nacional, a liquidação extrajudicial do BANESPA, a quebra informal e revenda do Bamerindus, todos casos onde se comprometeram recursos públicos de bilhões de dólares. Nada disso abalou a Suprema Corte, discursos moralistas não foram ouvidos, mas todos esses negócios foram altamente controversos, com espaço para muitas duvidas, de peso infinitamente superiores ao Mensalão. Nem Ministério Publico e nem Supremo deram as caras.
O caso dos Anões do Orçamento significou manipulações gigantescas no orçamento da União com a finalidade de criar matéria prima para a corrupção em alta escala. O STF se manifestou?
Porque então se proclama um discurso de pregação ético-moral digno do púlpito da Igreja de São Pedro no Vaticano, tal a elevação do tom. A manifestação parece altamente seletiva porque não ocorreu em outros casos que passaram pelo tribunal, só nesse e exclusivamente nesse?
O discurso (muito mais que um voto) do Ministro cria a impressão que o sistema politico brasileiro agora irá mudar, a imoralidade ficou no passado. Será? Nada indica mudanças substanciais no "é dando que se recebe", o mecanismo de EMENDAS PARLAMENTARES, um trem de corrupção, continua onde sempre esteve, as emendas estão mais vigorosas do que nunca.
Qual a contribuição do STF para a reforma do sistema politico brasileiro, do qual o mensalão é um efeito e não causa? Nenhuma. Qual o STF foi instado a julgar a fidelidade partidária, manteve a extraordinária infidelidade brasileira, única no planeta, que permite a um Kassab formar do nada, aliciando congressistas em outros partidos, recrutar 47 parlamentares em curtíssimo tempo, não só isso, conseguiu também do nada tempo de televisão e polpuda verba do Fundo Partidário, tudo com beneplácito do STF. Essa lassidão e tolerância só aumenta a malignidade do sistema politico que o STF teve chance de melhorar, mas preferiu deixar como está ou até piorar.
Em um caso pontual está, no entanto fazendo verdadeiro Auto-de-fé da Inquisição Espanhola, queimando hereges em praça publica, torturando-os antes, para exemplo de malhação e expiação.

O linchamento e o que dele resultará em nada contribui para a construção nacional, criará ódios e tensões que se projetarão para o futuro, um grande desserviço à nação, uma moralidade de almanaque, sem grandeza e sem sabedoria.

Fonte:  Blog do Saraiva

AS ÚLTIMAS DÉCADAS, OS ÚLTIMOS ANOS E AS PRÓXIMAS HORAS




Por Saul Leblon


“Quis o destino que a resposta da Presidenta Dilma Rousseff à soberba 'paulista' de Serra acontecesse num simbólico 2 de outubro. Nessa data, há 80 anos, Getúlio Vargas derrotou a secessão da oligarquia de São Paulo, cuja marca de fantasia se atribui o rótulo de'revolução constitucionalista de 32'.

O tucano que se gaba de já ter disputado sete eleições para cargos executivos, enfrenta um crepúsculo de campanha -talvez de vida pública – perfilando, assim, no lado que lhe compete na história. 

Em 12 de setembro, ao ranger do chão da candidatura que pode marcar a sua despedida política, Serra vestiu a farda da nostalgia separatista. E evocou prerrogativas pré-republicanas sobre o eleitorado de São Paulo. 

Como um guarda barreira dos autonomistas de 32, desengavetou a carabina da resistência à construção do Estado nacional, implementada então por Getúlio Vargas. E apontou a mira contra aquela cujo cargo e trajetória política simbolizam a presença de Vargas no Brasil atual.

"Ela vem meter o bico em São Paulo; ela que mal conhece São Paulo, vem aqui dar palpite", disparou o tucano para gozo da mídia oligarca que se esponjou em manchetes nostálgicas. 

A filiação da frase foi captada pela Presidenta gaúcha Dilma Rousseff. Uma saraivada de recados históricos soterrou o tucano na sua resposta. Em um palanque na periferia de São Paulo, junto a um conjunto popular, ao lado de um líder operário que avançou as expectativas mais otimistas de Getúlio e se fez presidente por duas vezes, bem como do adversário direto de Serra no pleito municipal, Fernando Haddad, Dilma foi ao ponto.

Deu uma lição de republicanismo ao porta-voz do apartheid conservador nos dias que correm. 

Disse a Presidenta :

"Eu morei na Celso Garcia; lutei contra a ditadura aqui; fui presa política em São Paulo. Foi pelas liberdades, pelo direito de cada um dos paulistas e dos brasileiros de 'meter o bico' em todos os assuntos que eu lutei aqui em São Paulo. Devo a São Paulo não só respeito, mas gratidão por ter me protegido. Por isso, quem vai governar essa cidade é muito importante para a presidenta. Eu estou aqui 'metendo o bico' em uma eleição porque para o Brasil, São Paulo é muito importante. E não tem como dirigir o Brasil sem 'meter o bico' em São Paulo"

Em síntese, ela explicou a sinhozinho Malta que, desde Getúlio, São Paulo não é mais uma sesmaria consuetudinária dos endinheirados. Seu povo não compõe um protetorado eleitoral tucano; e ela, a exemplo de Vargas, em 30 e em 50; de Lula, em 2002 e 2006, não se sujeita às regras de quem arrota retórica liberal. Mas dispensa 'aos de fora' - os 'baianos', os gaúchos, os operários, os comunistas - as armas da capangagem política mais conveniente à ocasião. 

Ontem, a secessão à bala; hoje, o golpismo conservador calibrado pela fuzilaria interrupta do bombardeio midiático. Não cometerá desatino histórico quem incluir na engrenagem dessa cortina de fogo o circo criado em torno do julgamento do processo 470. 

Em alguma medida, neste caso também, são 'os de fora' que estão sendo julgados, sob critérios de uma exceção definida sugestivamente pelos 'de dentro' vocalizados pelo aparato midiático conservador.

É o PT que surgiu de baixo em afronta à regra não escrita dos partidos feitos pelo e para o dinheiro grosso comandar a vida do Brasil miúdo. 

São lideranças que, ademais das concessões e renúncias, por mais que às vezes remetam à imagem do cardume exaurido levado pela correnteza depois de vencer os pedrais da piracema, demarcaram um campo popular de extensão inexistente no Brasil. E inédito no mundo redesenhado pela derrocada do projeto socialista, após a queda do Muro de Berlim, em 1989.

Foi o contraponto dessa gênese de vigor paradoxal que atraiu para o PT o olhar da esperança progressista mundial; mas também o ódio tenaz dos que imaginavam ter erradicado 'essa raça para sempre', com o efeito dominó subsequente ao colapso da ex-URSS. 

Três vitórias presidenciais sucessivas abalaram as certezas dos que consideravam questão de tempo destruir o desassombro petista dentro das regras do jogo. 

O abalo redesenhou as fronteiras da norma, do bom senso e isonomia no julgamento em curso no STF.

Está no ar, mas é de tal maneira denso que se pode cortar com uma faca: uma engrenagem gigantesca se move para desacreditar, por outros meios, aquilo que se consolidou como referência de luta pela democracia social no país e no imaginário do povo.

Não se poupa de reprovação a prática do “caixa 2 de campanha”. Aqui já se disse e se repete: ela amesquinha projetos progressistas, aleija suas lideranças, desmoraliza a soberania do voto democrático. O que causa espécie é o esforço concentrado para distinguir o “caixa 2” cometido pelos 'dentro' , daquele precedido na natureza e no calendário pelos 'de dentro'.

Tal malabarismo assumiu dimensões e contornos de sofreguidão caricatural na compulsão condenatória de mídias e togas , que nunca antes - nem depois, vaticinou o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos em entrevista à “Carta Maior” - reproduzirão o mesmo tratamento para igual delito.

Quando Vargas derrubou as oligarquias da República Velha, que se perpetuavam na Presidência, à base do “Café com Leite”, irritaria sobremaneira aos 'liberais' paulistas a legalidade concedida aos sindicatos operários e ao Partido Comunista. 

O apoio do novo governo a um aumento salarial reivindicado por uma greve geral que paralisou 200 mil trabalhadores no Estado de São Paulo pode ter sido a gota d'água da 'intentona constitucionalista'.

Muitos estudiosos enxergam nesse entrelaçamento histórico a semente de um conflito entre duas linhagens frontalmente distintas de democracia e de projeto para o país: de um lado, um Brasil ordenado pela democracia social; de outro, uma sociedade circunscrita pela democracia de recorte liberal, vista pelo tenentismo mais aguerrido dos anos 30 como uma farsa. 

Os ecos desse conflito ainda comandam a disputa política brasileira no século XXI. 

Foi isso que o dedo de Dilma apontou em direção a Serra no discurso desse 2 de outubro encharcado de referências históricas implícitas e explícitas.

É de alguma maneira a extensão desse embate que se assistirá nas próximas horas no STF, no julgamento de lideranças petistas, entre elas José Dirceu e Genoíno.

O calendário ordenado com o definido propósito de tornar eleitoralmente desfrutável esse momento autorizará o historiador do futuro a arguir se aquilo foi um julgamento isento, ou mais um capítulo da tentativa recorrente, desde 1932, de impedir que os 'de fora' venham 'meter o bico' nos destinos da 'São Paulo ampliada', que é como os 'de dentro' enxergam o Brasil.”

FONTE:escritopor  Saul Leblon no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1106)


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