sábado, 16 de março de 2013

LINO BOCCHINI: O PAPA FRANCISCO E O JORNAL NACIONAL



JN esquece do jornalismo e presta enorme serviço à igreja católica
A exemplo de quarta-feira, 13, quando foi eleito o novo papa, o Jornal Nacional de ontem também foi quase todo dedicado ao assunto. Com a íntegra em mãos, planejava contar quantas vezes, em 33 minutos de noticiário, determinadas palavras apareceriam. Desisti após o primeiro bloco, quando já se somavam 23 “papas”, sete “Jesus Cristo”, seis “missa” e uma pilha de “cardeais”, “igreja”, “basílica”, “deus”, “cúria”, “senhor” etc. Montei então o roteiro de frases abaixo, todas ditas pelos apresentadores William Bonner (nos estúdios da Globo no Rio) e Patrícia Poeta (no Vaticano) e pelos repórteres da Globo que fizeram a cobertura por lá, na Argentina e em Jerusalém. Lembro que todo material abaixo vinha acompanhado da entonação certa, trilha “emocionante”, edição cuidadosa, sorrisos etc. As frases estão colocadas em ordem de aparição:
“O primeiro dia do novo papa, a primeira missa”
“Como o papa se tornou conhecido pela simplicidade”
“Um papa matutino”
“Começou impondo um estilo novo ao papado e recusou o carro oficial”
“´Também sou um peregrino´, disse”
“Comportou-se como um padre, quase um pai de família. Nem usou o trono para a homília”
“Tem a simplicidade evangélica de João 23 e o sorriso paterno de João Paulo I”
“O papa Francisco começa a conquistar um certo fascínio que já existia entre os cardeais”
“O colégio, num grande e inteligente gesto, em poucas horas mudou o rosto da igreja”
Aí entra ao vivo Don Odilo Scherer, que respondeu a 4 perguntas rápidas. Terminou a última, sobre a “torcida brasileira” a seu favor, dizendo que “os cardeais deveriam escolher aquele que deus indicasse”. Ao que Patrícia Poeta emenda, emocionada: “Que assim seja”.
Vem então uma reportagem sobre beatificação de João Paulo 2: “O papa peregrino, João Paulo 2º, pregou com gestos a humildade … tinha sorriso sereno e cativante … enorme carisma de se comunciar com as multidões… apenas 6 anos depois de sua morte, a igreja concluiu a beatificação, último passo, antes de torná-lo santo … O clamor começou logo após sua morte, em abril de 2005. Depois, veio a descoberta do primeiro milagre. A cura de uma freira francesa, que sofria de mal de parkinson”.
[O milagre entrou dessa forma, como uma notícia banal, sem a palavra “suposto” ou “segundo a igreja”]. E termina assim a matéria de João Paulo 2º: “A imagem de um dos papas mais adorados da história recente é o reflexo também do que a igreja busca com a escolha de agora: a força de um líder carismático e amado”.
Continuam as frases do JN:
“O moderado e humilde Jorge Bergoglio”
“Antes mesmo de se tornar papa, Jorge Bergoglio já era conhecido por cultivar hábitos simples”
“Nos primeiros gestos, nas primeiras palavras, já um jeito próximo, natural. ‘Irmãos, irmãs, boa noite’. Ali estava não mais o Jorge, mas o Francisco”
“O nome já era um recado, mas era necessário mais. E para esse papa, o mais era o menos. Despojado, sem joias, apenas a batina branca”
“Repare no crucifixo, é de aço, nem mesmo é de prata”
“[Deixou que] vários cardeais se apertassem no elevador com ele”
“O papa preferiu ir de ônibus com os cardeais, deixando o carro especial do pontífice seguir vazio”
“De onde vem essa inspiração, esse sentimento de humildade? Até agora, o próprio papa não falou nada sobre isso”
“Francisco parece já ter definido como prioridade do seu papado a solidariedade para os que mais precisam”
“Ontem ao se despedir do publico, dizendo ´boa noite, bom repouso´, parecia um pai que vela pelos filhos. Sua santidade. Santa simplicidade”
Começa um bloco sobre a vida de Jorge Bergoglio na Argentina. O JN lembrou rapidamente das críticas mais fortes que pesam sobre o novo papa, seu suposto apoio à ditadura no país vizinho:“Durante a década de 1970, na ditadura argentina, Bergoglio era a principal autoridade eclesiástica do país. Um jornalista o acusou num livro de ter dado informações que levaram à prisão de 2 padres jesuítas, que supostamente teriam ligações com grupos de esquerda. Em sua defesa, Bergoglio disse que há um documento que prova o contrário, ele pediu a renovação dos vistos de permanência no país de um deles. Já um biógrafio do papa diz que ele agiu secretamente para ajudar a retirar perseguidos politicos da Argentina”. Esse pedaço “crítico” do noticiário, que durou pouco mais de um minuto, termina assim: “Papa Francisco tem posição semelhante a de Bento XVI: é contra o uso de preservativos”.
Voltam as frases:
“Na terra santa, as pessoas rezaram e se disseram contentes com a escolha de um papa humilde, de nome Francisco”
“Por todo oriente médio foi assim: atenções voltadas para o homem de fala suave e olhar sereno”
“Já que estamos falando de carisma, o que chamou a atenção hoje aqui nas ruas do Vaticano foi o número de fieis tirando fotos, entrando nas lojas e perguntando se tinha um santinho, um terço, uma lambrança do novo papa. Isso horas depois dele ter sido eleito. E quem procurou muito, acabou encontrando. Eu achei, nós procuramos bastante e achamos, tá aqui: “Habemus Papam Franciscum [e mostra um santinho com a cara do argentino]. Tá aqui Bonner, tô mostrando pra vocês”
No bloco final, a ameaça de um pouco de jornalismo: “Apesar de tanto segredo, a imprensa daqui começa a publicar alguns detalhes do conclave que elegeu o novo papa. De acordo com o que um respeitado vaticanista declarou a um jornal italiano, a primeira votação apresentou o italiano Ângelo Scola, o canadense Mark Ouellet e Jorge Bergoglio com mais votos”. Patrícia Poeta, contudo, desconversa: “Mas isso não importa mais”. E volta ao normal:
“Em mais uma demonstração do bom humor que estamos começando a conhecer, o papa brindou com os cadeais que o escolheram”
Por fim, recebe os cumprimentos do parceiro de mesa e editor do JN, William Bonner, que encerra assim o jornal:
“Missão cumprida, Patrícia. Para você e para toda nossa equipe que fizeram esse trabalho belíssimo aí no Vaticano, parabéns”.

Fonte:  Conversa Afiada

O PAPA QUE NÃO FOI


Sexta feira, 15 de março de 2012

Deixando fatores religiosos de lado, cabe reparar que a escolha de Jorge Mario Bergoglio terá imensas consequências políticas para brasileiros e argentinos.
No Brasil, a escolha privou os adversários de Dilma Rousseff de um aliado seguro, que seria representado pelo cardeal Odilo Scherer.
A possível escolha de dom Odilo foi acompanhada com uma esperança inusitada por parte dos meios de comunicação, engrossando um coral de cálculos em voz baixa elaborados por políticos de oposição e personalidades próximas.
A ideia era que um papa brasileiro, como dom Odilo, poderia ser um ótimo contraponto na campanha de 2014 – quando o país deve assistir a um novo esforço dos adversários do governo para silenciar Lula, personalidade que possui uma estatura que nenhum rival conseguiu alcançar até o momento, pelo menos.
Imagine um papa – a quem muitos católicos enxergam como a voz de Deus na Terra – fazendo pronunciamentos e declarações desfavoráveis ao governo Dilma. Seria uma ajuda e tanto, vamos combinar.  Bento XVI chegou a ensaiar movimentos nesta direção, em 2010, deixando clara sua preferência pelos adversários de Dilma.
Dois bispos, em Guarulhos e na Paraíba, fizeram campanha direta e explícita contra a presidente. Um terceiro bispo, que assumiu uma postura oposta, foi pressionado a renunciar logo após as eleições.
O próprio José Serra deixou-se fotografar beijando um crucifixo e sua campanha fez de uma obsessão do Vaticano – o aborto – um tema quentíssimo da eleição.
A falta de carisma de Bento XVI e a boa situação do país, que crescia 7,5% em 2010, impediram que uma intervenção dessa natureza tivesse maiores consequências.
Embora Dilma Rousseff seja titular de um governo que mantém apoio da ampla maioria dos brasileiros em 2013, como dizem seus índices de opinião, ninguém imagina que a decisão de 2014 irá ocorrer num ambiente semelhante.  A possibilidade de a oposição se aliar a um dissidente do governo da estatura de Eduardo Campos coloca questões de outra natureza.
Na Argentina, a escolha de Bergoglio promete gerar complicações semelhantes para o governo de Cristina Kirchner, que vive um momento muito mais complicado do que a vizinha ao Norte. O novo papa é um adversário assumido de seu governo.
É possível fazer algumas observações, contudo.
A escolha de Bergoglio confirma a profundidade da crise que envolve a cúpula da Igreja Católica. É uma opção que parece sob encomenda para que todos possam rir aqueles analistas que preparavam um tapete vermelho para receber um personagem salvador, que seria capaz de abrir uma saída para um abismo de denúncias de corrupção, tráfico de influência e impunidade em relação a milhares de casos de pedofilia, um dos mais covardes e inaceitáveis crimes que a vida moderna registra.
Deixando de lado os dados biográficos triviais – o novo papa anda de metrô, fala como as pessoas simples etc. – pode-se ir atrás de informações mais substanciosas.
Horácio Verbitsky, um dos mais respeitados pesquisadores de direitos humanos da Argentina, informa que Bergoglio tem uma folha corrida complicada. Mostrou-se conivente com a perseguição a presos políticos, inclusive sacerdotes que participaram da resistência ao regime militar. Verbistsky ainda relata que Bergoglio pouco fez para esclarecer casos de filhos de presos políticos desaparecidos que foram adotados clandestinamente por amigos do regime militar.
Ele também se manifestou contra o casamento de pessoas do mesmo sexo.
Parece difícil que um papa com tais características seja capaz de recuperar o prestígio da Igreja.
Seria esta a revolução prometida pela renúncia de Bento XVI?
Paulo Moreira Leite

Fonte:  Com Texto Livre
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...