Por Breno Altman, especial para o 247
O discurso da presidente Dilma Rousseff, anunciando a proposta de consulta
popular para reformar o sistema político, foi um tiro de canhão contra
estratégias que visam jogar a vontade das ruas contra o governo federal e
desestabilizá-lo.
A chefe de Estado, em um movimento de audácia, foi à raiz do problema que
sacode o país: o apodrecimento das velhas instituições. Há dez anos
implementando importantes mudanças sem romper com ordem herdada da transição
conservadora à democracia, o governo liderado pelo PT finalmente entendeu que
esse ciclo está esgotado.
A rebelião popular-juvenil, mesmo com suas contradições e disparates, como é
próprio de todos os grandes movimentos de massa, decretou a falência de um
sistema oligárquico, putrefato e avesso às transformações de fundo. Ao contrário
de alguns petistas e intelectuais de esquerda, que viram no levante uma
conspiração reacionária, Dilma compreendeu e ensinou que as ruas tinham aberto
caminho para um tremendo salto adiante.
Ao exigir do Congresso um plebiscito que decida a fundação de novo
ordenamento político, a presidente desbrava caminho para superar a associação
entre o capital corruptor e a representação política de aluguel, epicentro da
degenerescência republicana. Deslancha o processo que pode levar à proibição e
criminalização do financiamento privado de campanhas, além de oxigenar o Estado
com a transparência ideológica propiciada pelo voto em lista e a fidelidade
partidária.
A intervenção presidencial também cria janela de oportunidade para ampliar a
democracia participativa, através de novos instrumentos soberanos. A reforma
poderia incluir a possibilidade de plebiscitos convocados por iniciativa dos
próprios eleitores ou pelo presidente da República, o impedimento de governantes
e parlamentares através do voto popular e outras iniciativas que incorporem as
ruas ao Estado.
Não é à toa que a oposição de direita, estabelecida nos partidos e em outras
casamatas da sociedade, reagiu com repulsa à proposta presidencial. Seu discurso
contra a corrupção não passa de pura demagogia golpista. As correntes
reacionárias querem que tudo permaneça como está, pois são esses segmentos os
maiores beneficiários do contubérnio entre dinheiro e política. Desmascaram-se,
com seu horror a qualquer ideia que coloque os rumos do país nas mãos do
povo.
A disputa será renhida. A presidente ofereceu às ruas rebeladas uma
plataforma para fazer valer suas reivindicações e ajudá-la a aprofundar a
democracia, além de pactos pela melhoria das condições de vida. Inimigos irão se
alçar em combate, atemorizando aliados mais volúveis. Às ruas caberá defender,
com fervor e mobilização, a única saída progressista para a crise.
Breno Altman é jornalista e diretor editorial do site Opera Mundi e da
revista Samuel
Fonte: Brasil 247