LULA MIRANDA
Num mundo longe, muito longe daqui existe uma republiqueta de bananas chamada Nelhures, onde vive um jovem bastante garboso e um tanto farrista
Num
mundo longe, muito longe daqui existe uma republiqueta de bananas chamada
Nelhures, onde vive um jovem bastante garboso e um tanto farrista que atende
pelo nome de Nécio Snows. Neto de um eminente político já falecido, e
originário da montanhosa "Terra do Leite", Snows anda espalhando aos
quatro ventos, junto aos porta-vozes da Corte, o seu desejo e
"vocação" para governar Nelhures. Pura molecagem do jovem Nécio,
decerto: é que em verdade o que ele gosta mesmo é de badalar e flanar na maravilhosa
cidade praiana do Redentor, onde é visto, quase sempre trôpego, dando generosas
gorjetas de 100 dinares aos gentios.
Nessa vã empreitada, Nécio Snows segue de mãos dadas e escudado
por uma outrora grande personalidade desse país fabuloso que, quis o caprichoso
e cruel destino, foi transformada em velho estandarte malsão, donairoso
"espantalho", distinto narcisista, sofista sofisticado capaz de
mentir em várias línguas, espécie de boneco assombrado deslocado de alguma das
plantações comprometidas pelas pragas do liberalismo mais rastaquera que
infestou os insondáveis Campos Uspianos, bem como de outras plagas, e que agora
(re)começa a percorrer os descaminhos da longínqua Nelhures, mas notadamente a
cidade do Redentor, onde fica a sede da Rede Bobo de Televisão, que tem
sido desde sempre porta-voz de todos os candidatos bem nascidos – os chamados
"filhos da riqueza".
A esses dois valentes e destemidos aventureiros em sua jornada
por Nelhures juntaram-se outros cavaleiros de tempos idos, salteadores da coisa
pública: Têdro Malão e Arlindo Flagra. Ou seja, o Nécio já está em muito boa
companhia nessa sua desgraçada saga de cavaleiro de triste figura predestinado
ao malogro.
Pisam impávidos em terras outrora por eles devastadas, hoje a
muito custo e trabalho recompostas, com a desfaçatez e altivez tranquila de
predadores retomando a caçada – como se não lhes dissesse respeito toda
destruição por eles causada.
Dizem os anciões de Nelhures que, em verdade, o Sr. Espantalho,
que acompanha Nécio nessa sua tresloucada aventura, é um ex-mandatário daqueles
tristes trópicos. Recebera esse "título", nada honorífico, porque
fizera um governo, para muitos desastroso, em tempos já olvidados. E que até os
seus correligionários, que agora pretendem sua redenção tardia, fugiam dele
como o diabo da cruz. Vendera aos "privados" – nacionais e
estrangeiros – quase todas as riquezas dessa pobre-rica republiqueta, num
episódio deplorável que ficou registrado nos livros de História como
"Privataria". E assim enriquecera os seus principais áulicos e
súditos.
Dizem ainda os sábios anciões que nesses tempos os juros eram
estratosféricos, com muitos pais de família desempregados; os órgãos do Estado,
instituições e aparelhos públicos, sucateados; não havia crédito para
financiamento das empresas e das famílias, pois os juros cobrados eram, como já
dito e sabido, altíssimos; os pobres não tinham acesso a adquirir carros ou
viajar de avião, sequer podiam comer carne; entre outros horrores e desastres,
hoje inimagináveis. Mas isso é o que dizem os mais velhos, pois os mais novos
desconhecem tempos tão terríveis.
Mas o pior adversário do imberbe Nécio Snows, além dos seus
próprios pecados, fraquezas e das más companhias, está em suas próprias hostes.
Trata-se do sorrateiro Gollum-Smeágle, um ser ordinário, importado de outra
famosa e fabulosa história. Smeagle é um ser "não vivente", espécie
de morto-vivo que rasteja errante pelas paisagens subterrâneas e inóspitas, nos
submundos da prolífica, fértil e venturosa Terra do Café – hoje em pleno
processo de devastação pelos correligionários de Nécio, Malão e Flagra.
Gollum-Smeágle, aliás, é um personagem que mereceria um capítulo
à parte nessa nossa "fábula". É um ser esquisito, de difícil
descrição. Um indivíduo "direitoso e muito do feioso" – abespinham-se
alguns. Parece sofrer de algum distúrbio de personalidade, pois num dado
instante, é bom; no outro, ruim. Num momento ele é de esquerda; já no outro, de
direita. Dizem que tem parte com o "capiroto", com o
"coisa-ruim". Mas isso deve fazer parte da lenda ou folclore que
cerca essa abjeta criatura dos infernos.
Dizem ainda as más línguas que o Sr. Espantalho se uniu a essa
aventura errante e inconsequente do jovem farrista Nécio num ato último de sua
peculiar e incontrolável vaidade – seria um último esforço para salvar sua
arruinada biografia. Mas isso é o que dizem os injustos e os maledicentes.
Ainda bem, para o nosso gáudio e fortuna, que não vivemos em
Nelhures e mais: que essa história toda não passa de uma fábula ordinária, que
saiu da mente de um escritor não menos ordinário.
Então, para a felicidade geral da Nação, está tudo calmo, sereno
e tranquilo em "Nelhures".
A história entrou por uma porta e saiu pela outra. E quem quiser
que conte outra – ou melhor, que conte a sua versão da história, digo da
"fábula".
N.A.: Esta é uma obra de
ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações terá sido mera
coincidência.
Fonte: Brasil 247