quinta-feira, 25 de setembro de 2014

O DIA QUE CHOREI DUAS VEZES







Por Stanley Burburinho

Enviado por Castor Filho , via e-mail

Na sexta-feira passada, eu e mais quatro amigos que nos conhecemos desde os tempos da ditadura -- e que fomos para Cuba fazer treinamento e lutamos juntos na Guerrilha do Araguaia -- fomos até à favela da Rocinha ver o Lula e apoiá-lo.

Dias antes do evento, avisamos que iríamos e pedimos para que as seguranças do Lula e das demais autoridades fossem avisadas de que, apesar das aparências (com tatuagens nos braços; rabos-de-cavalo; barbas; cabeças totalmente carecas, etc) éramos amigos. Estávamos trajando bermudas, tênis ou camisa pólo ou camiseta ou t-shirt e demos os nossos nomes e números das nossas identidades.

Um rapaz se aproximou da gente e perguntou o que estávamos fazendo ali. Pedimos a identificação dele e nos identificamos. Ele era da Abin. Disse a ele que estávamos autorizados a ficar naquele ponto. Ele perguntou quem deu a autorização e eu disse o nome da pessoa que, aliás, já estava no palanque onde haveria o discurso do Lula. Ele pegou as nossas identidades e entrou em contato por um rádio com algum superior informando os nossos nomes para ver se conferia com uma lista que esperávamos que os nossos nomes estivessem nela. 

Enquanto conversávamos, chegaram mais alguns policias (acredito) à paisana.Enquanto o rapaz da Abin aguardava o retorno do seu superior confirmando ou não os nossos nomes, me lembrei que conheci há muito tempo atrás uma pessoa que tinha o mesmo sobrenome -- que não era um sobrenome comum -- do rapaz da Abin. 

Enquanto o superior dele não retornava, perguntei se ele conhecia a tal pessoa com o mesmo sobrenome dele. Ele arregalou os olhos e me disse assustado: 

"-- Mas, é o nome do meu pai!" 

Aí, eu disse: "-- Quer dizer que você é filho do (eu disse o apelido que o pai dele tinha durante a ditadura para não ser identificado)?" 

Ele respondeu:" -- Sim, sou! Caramba, você conhece o meu pai?" 

Respondi: "-- Nós cinco conhecemos o seu pai muito bem. Fomos juntos para Cuba." 

O rapaz ainda meio atordoado, afastou-se do grupo e fez uma ligação. Depois de trocar algumas palavras com a pessoa para a qual ele ligou, mesmo afastado do grupo ele gritou:

" -- Qual era o seu apelido?" Eu respondi e ele retomou a conversa ao telefone. Alguns segundos depois ele se reaproximou do grupo, com um sorriso no rosto e me disse: 

"-- Fala aqui com o meu pai." 

Eu peguei o telefone e disse: "-- Fala, viadinho!! Tudo bom? Quanto tempo né? Sabe quem está aqui comigo? Seu filho tá dando uma dura na gente." 

E eu disse os apelidos dos meus quatro amigos que estavam comigo.O pai do rapaz da Abin ficou alguns segundo sem falar nada. Percebi que ele estava chorando e quando eu olhei para o lado, onde estavam os meus amigos, todos eles, também, estavam chorando. 

O rapaz da Abin também começou a chorar e os policiais à paisana, assustados com o que viam, não sabiam o que fazer. Eu não resisti e comecei a chorar também. Todos chorando. As pessoas que passavam não entendiam nada.Depois de alguns minutos de conversa ao telefone, entre nós cinco com o pai do rapaz da Abin, marcamos de nos encontrar aqui no Rio porque pai do rapaz da Abin mora em Brasília. O rapaz da Abin devolveu nossas identidades e pediu desculpas e disse que levou do pai uma "chupada" (bronca) por ele ter "dado uma dura na gente". Deixou o número do telefone particular e da residência e celular do pai. 

Minutos depois o rapaz da Abin se antecipou ao seu superior que ainda não havia retornado a ligação confirmando nossas identidades, dizendo que estava tudo bem e que não havia necessidade de se confirmar os nossos nomes.O rapaz da Abin, cheio de formalidade, apertou nossas mãos e nos abraçou, pediu desculpas e nos agradeceu pelo nosso passado. 

Eu disse: " – Fulano, pára com isso! Seu pai é um grande amigo nosso." E disse para o rapaz, de sacanagem -- devido à intimidade que nós tínhamos com o pai dele – todas as manias que o pai dele tinha na época da clandestinidade. Ele riu muito e disse que gozaria do pai dele. E ele e os policiais à paisana, que também apertaram as nossas mãos, foram embora.

O Lula chegou. Tumulto geral. O povo num desespero sem igual, avançava para cima da segurança na esperança de tocar ou, ao menos, ver o Lula. Durante todo o tempo que o Lula estava na Rocinha, o povo não parava de gritar: " -- Lula, Lula." Ou " – Ão, ão, ão, o Lula é nosso irmão!".

Pensei comigo e falei para os meus amigos: 

" – Em mais de 500 anos de Brasil eu nunca tinha ouvido falar que um presidente tinha entrado em uma favela no Rio de Janeiro ou em qualquer outro estado do Brasil." Todos concordaram. 

E eu disse mais: " – Vocês conseguem imaginar o FHC entrando em uma favela para fazer algum discurso?"

Minutos antes de terminar o discurso, alguém sinalizou para a segurança que o Lula desceria do palanque para ir embora. A movimentação repentina da segurança denunciou para o público presente que o Lula estava de saída. Nossa Senhora! Nunca vi desespero tão grande do povo para se aproximar do Lula. A segurança estava desesperada. Corria de um lado para o outro. 

O povo cercou o Lula que, sempre com um sorriso no rosto, abraçou, beijou, pegou crianças no colo e, o mais impressionante, toda uma multidão de pessoas que estava mais próxima do Lula chorava.Eu me esforçava para não chorar novamente. Quando olho para os meus amigos, todos estavam chorando. Aí, chorei também. 

Mais uma vez. E eu disse: " – É galera, tão vendo aí, a nossa luta não foi em vão." 

Pronto. Foi só eu dizer isso para aumentar mais ainda a choradeira.

Antes de entrar no carro, o Lula olhou para onde estávamos e, com os braços erguidos com uma mão apertando a outra, como se estivesse erguendo um troféu, balançou os braços. 

E eu articulando os lábios, sem emitir qualquer som, disse olhando para ele e ele olhando para mim: " – 

NINGUÉM SEGURA O BARBA!"


Lembrando o apelido dele desde a época da ditadura. Ele sorriu, deu tchau e entrou no carro. Não vimos o nosso amigo Comprido apelido do Franklin Martins.Fomos embora. Fomos para o bar Bracarense depois para o Jobí e depois para a Pizzaria Guanabara para comemorar e jantar. Num mesmo dia, num curto espaço de tempo, chorei duas vezes. De felicidade. 

Valeu Abraços em todos.
Stanley Burburinho.

*****

Do bloguinho para o Castor e Stanley:
Castor,
Obrigado pelo e-mail.
Chorei muito!
Fazia tempo que eu não chorava, estava até com medo da minha insensibilidade.
Vida longa a você!
Vida longa ao Stanley Burburinho e seus amigos!
Vida longa ao Barba!
Abraços,
Itárcio.

  Fonte:   Claudicando

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