terça-feira, 25 de setembro de 2012

CASARA: TESES DO STF TENDEM A SE ESPALHAR POR TODO O JUDICIÁRIO, ATINGINDO O CIDADÃO COMUM


Rubens Casara

por Conceição Lemes
Nesta segunda-feira 23, o julgamento da Ação Penal 470, o chamado mensalão entrou na nona semana. Muitos juristas o acompanham com preocupação. Alegam que princípios de respeito às garantias fundamentais, como “o ônus da prova cabe à acusação” e “não se pode condenar alguém com base em presunções”, estariam sendo deixados de lado.
“A Ação Penal 470 ilustra bem a encruzilhada em que se encontra o Poder Judiciário. O risco da tentação populista é que passe a produzir decisões casuísticas, para atender às expectativas do que é vendido pelos meios de comunicação como opinião pública”, observa Rubens Casara. “Isso é grave, pois princípios e teorias forjados durante a caminhada da Humanidade acabam esquecidos ou afastados para a produção de decisões direcionadas a dar essa resposta simbólica à sociedade.”
Esse risco aumenta quando as decisões casuísticas são produzidas pela maior Corte de Justiça do Brasil, como a Ação Penal 470, embora não sejam exclusividade dela.
“Acaba virando jurisprudência, pois as cortes inferiores tendem a reproduzí-las”, prossegue Casara. “Esse fenômeno o professor e ministro da Corte Suprema da Argentina Raul Zafaroni chama de comodismo crônico.”
“Ao se espalharem por todo o Judiciário, as teses do STF na Ação Penal 470 acabarão atingindo os cidadãos comuns”, adverte Casara. “São os ‘clientes’ preferenciais do nosso sistema penal que privilegia os que têm posses e condena os sem condição financeira.”
Rubens Casara é juiz da 43ª Vara Criminal do Rio de Janeiro e professor de Direito Penal da Faculdade de Direito Ibmec/RJ. Porém, nesta entrevista ao Viomundo, ele fala a partir de sua percepção como pesquisador do autoritarismo no sistema de justiça criminal.
Segue a íntegra da nossa íntegra.
Viomundo – Qual a sua percepção do julgamento da Ação Penal 470 até o momento?
 Rubens Casara – Antes, um parêntese. O Estatuto da Magistratura, que é uma lei cunhada em período autoritário, impede que os juízes se manifestem sobre casos em julgamento. Portanto, falo em tese, em especial a partir do que tenho observado na mídia, em minhas pesquisas e como professor de Direito Processual Penal.
Sobre a sua pergunta, a minha percepção é de que a Ação Penal 470, que a grande mídia chama de “julgamento do mensalão”, ilustra bem a encruzilhada em que se encontra o Poder Judiciário.
De um lado, sua origem aristocrática; um poder conservador, distante do povo, comprometido com quem detém o poder e o capital, e que historicamente sempre foi utilizado para manutenção do status quo, ou seja, como obstáculo à transformação social. Não se pode esquecer que, para parcela considerável dos que sempre detiveram o poder econômico e político,  o chamado “caso do mensalão” passou a ser encarado como espécie de vingança pelas derrotas eleitorais impostas pelo Partido dos Trabalhadores.
De outro lado, uma tendência que tem sido chamada de “tentação populista”.  Ela se traduz em decisões que buscam agradar a opinião pública, que muitas vezes não passa da opinião publicada pelas grandes corporações que controlam os principais meios de comunicação de massa.
Agora, a tensão entre a origem aristocrática e essa tendência populista está presente em vários julgamentos e não só na Ação Penal nº 470. De igual sorte, existem no seio do Poder Judiciário muitos conflitos, que por vezes permanecem velados.
Enfim, a magistratura é plural, diversas ideologias se fazem presentes. Existem, por exemplo, magistrados que atuam a partir de uma epistemologia e de um instrumental autoritário e outros que adotam posturas e modelos adequados à democracia.
Viomundo — Qual o risco dessa tentação populista?
Rubens Casara – É que as decisões passem a ser produzidas ad hoc.
Viomundo – O que significa?
Rubens Casara – São decisões casuísticas, formuladas para atender às expectativas do que é vendido pelos meios de comunicação de massa como opinião pública. Quando isso acontece é grave, pois princípios e teorias que existem para assegurar o respeito aos direitos e garantias fundamentais, que são conquistas de todos, forjados durante a caminhada da Humanidade, acabam esquecidos ou afastados para a produção de decisões direcionadas a dar respostas simbólicas à sociedade.
Os direitos e garantias fundamentais sempre foram trunfos contra maiorias de ocasião, limites à opressão estatal, o que, em última análise, caracteriza o Estado Democrático de Direito. Só há democracia, em seu sentido substancial, se os direitos e garantias fundamentais são respeitados. Decisões judiciais que afastam, relativizam ou violam os direitos e garantias fundamentais corporificam, portanto, sérias ameaças ao Estado Democrático de Direito.
Viomundo — O que a Ação Penal 470 vai representar mais adiante?
Rubens Casara – Como toda decisão do Supremo Tribunal Federal, a tendência é de que as teses acolhidas durante esse julgamento passem a influenciar a jurisprudência de todos os órgãos do Poder Judiciário. Essa jurisprudência é o que será chamado de legado jurídico desse julgamento.
Se, como sustentam alguns, a Ação Penal nº 470 é um “julgamento de exceção”, uma decisão casuística produzida para agradar parcela da sociedade brasileira, em detrimento de direitos e garantias que normalmente seriam reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal, o risco à democracia é muito grande, uma vez que se está diante de um ato, de ampla repercussão, produzido pela maior Corte de Justiça do Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF).
Viomundo — Por quê?
Rubens Casara — Porque há uma tendência de reprodução, pelas instâncias inferiores, das decisões que são produzidas no Supremo Tribunal Federal. A esse fenômeno, típico da burocratização judicial, o professor e ministro da Corte Suprema da Argentina  Raúl Zaffaroni chama de “comodismo crônico”.
Explico: a melhor maneira de se fazer uma carreira rápida no Judiciário é não contrariar a opinião daqueles que têm o poder de anular ou reformar as suas decisões. Os juízes reproduzem as decisões dos seus tribunais e dos tribunais superiores para não terem dores de cabeça na carreira, serem aceitos na classe e conseguirem promoções.
Assim, se, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal adotar as teses da “inversão do ônus da prova em matéria penal” ou da “possibilidade de condenação a partir de presunções contrárias aos réus”, estaremos dando passos vigorosos em direção ao Estado Penal.
Por quê?  Porque essas teses estão em franca oposição ao princípio constitucional da presunção de inocência, e o Supremo deixará de atuar como garantidor dos direitos e garantias fundamentais.
Se, de fato, isso acontecer, essas teses vão ser reproduzidas e acolhidas em outros casos a serem julgados por diversos juízes e tribunas brasileiros. A porta para os decisionismos e as perversões inquisitoriais estará aberta.
Viomundo — Isso significa que as teses aceitas pelo STF na Ação Penal 470 acabarão atingindo os cidadãos comuns?
Rubens Casara — Com certeza. São os ‘clientes’ preferenciais do nosso sistema penal que privilegia os que têm posses e condena os sem condição financeira.
Viomundo – Em função do julgamento, juristas têm usado muito a expressão “atos de ofício”. O que significa exatamente?
Rubens Casara – Atos de ofício do juiz são os produzidos sem a provocação de qualquer das partes. Eles se originam da tradição inquisitorial. No sistema processual inquisitivo, o juiz acusava, produzia as provas e, depois, também julgava a pessoa a quem ele já tinha atribuído a prática de um delito.
E qual é o risco dessa atuação de ofício?  O fenômeno que o professor italiano Franco Cordero chama de “primado da hipótese sobre fato”.
O que é esse primado da hipótese sobre o fato? O juiz assume a hipótese da acusação como verdadeira e passa o processo tentando demonstrar que está correto. Essa atuação de ofício traduz uma antecipação de seu julgamento, consubstanciada na aceitação da hipótese a partir da qual orienta a sua busca.
O problema é que, ao partir de uma hipótese falsa, o julgador que adota essa postura inquisitorial, não raro, chega a uma conclusão falsa, mas que ele acredita ser verdadeira, mais precisamente, chega a uma “verdade” que ele construiu, a partir do senso comum ou de distorções, por vezes inconscientes, do próprio conjunto probatório.
Isso compromete a imparcialidade, ou seja, viola a equidistância que o julgador deve manter das versões postas pelas partes. Isso acaba por levar ao que Cordero chamou de “quadro mental paranoico”, já que o juiz decide antes, ao assumir como verdadeira a hipótese da acusação, e, depois, sai em busca de material probatório para “confirmar” essa sua versão.
Viomundo – É um risco da Ação Penal 470?
Rubens Casara – É um risco de todos os processos nos quais o juiz quer assumir o protagonismo probatório. Ele pratica atos de ofício na tentativa de demonstrar a veracidade da hipótese que aceitou como verdadeira. Não comprovar essa versão significa fracassar e ninguém gosta de fracassar.
Há uma discussão muito grande sobre essa questão na doutrina brasileira. Há quem defenda a possibilidade do juiz produzir provas de ofício, mas há excelentes autores que dizem que não, que a gestão da prova deve permanecer com as partes.
A inércia do juiz seria, então, uma garantia de sua imparcialidade.
Eu prefiro essa segunda corrente que defende que o juiz, na medida do possível, deve ficar equidistante das versões das partes. Ele deve receber as provas da acusação e da defesa, para, no final, julgar a partir do conjunto probatório produzido dialeticamente pelas partes.
Viomundo – O ministro Joaquim Barbosa estaria assumindo o protagonismo probatório?
Rubens Casara – Na atuação do ministro Joaquim Barbosa, que vem dos quadros do Ministério Público, órgão constitucionalmente encarregado de formular hipóteses e produzir provas que a confirmem, muitos enxergam essa tendência inquisitorial.
Confesso que não estudei a fundo as decisões desse ministro, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que será o futuro presidente do Supremo Tribunal Federal.
Para além do que a mídia noticia, não conheço a atuação do Ministro Joaquim Barbosa.
Veja bem. Existem leis infraconstitucionais que autorizam a produção probatória pelo juiz. A questão é saber se essas leis são adequadas ou não à Constituição da República. Uma lei infraconstitucional contrária à Constituição é imprestável e não deve ser aplicada.
O ideal, portanto, é o modelo em que cabe ao juiz julgar, ao acusador formular e provar a acusação e ao defensor a missão de defender o acusado. O ideal é que o juiz não participe da produção probatória. O ato de produzir provas é inerente à atividade de acusar e de defender.  Na verdade, um ônus de quem formula a acusação, porque no processo penal brasileiro a carga probatória é toda do acusador. A defesa não precisa provar nada, desde que a acusação fracasse na sua missão de comprovar os fatos que constituem a acusação.
No modelo brasileiro, o ônus da prova – aquele que tem o dever de fazer prova e vai arcar com as conseqüências de não provar – é da acusação. Se o acusador não consegue provar sua hipótese, o réu tem de ser absolvido. É a dimensão probatória do princípio da presunção de inocência, o que se expressa na máxima in dubio pro reo.
Então, o juiz que assume o protagonismo probatório, o juiz-inquisidor, é uma figura historicamente vinculada ao modelo inquisitivo, que não é a opção constitucional feita em 1988 nem a da maioria dos Estados democráticos.
Viomundo – O modelo inquisitorial surgiu quando?
Rubens Casara – Do ponto de vista histórico, ele é posterior ao modelo acusatório que já existia no regime ateniense. O sistema inquisitivo surge no século XIII e se torna hegemônico na Europa continental até o século XVIII, momento em que tem início a sua decadência. Curioso notar que o sistema inquisitivo nasce em uma quadra histórica na qual se busca o fortalecimento do Estado, mas ainda hoje é possível perceber sintomas desse sistema nas mais diversas legislações.
Viomundo – No julgamento do AP 470, tem se falado em inversão do ônus da prova, flexibilização de conceitos jurídicos, condenação a partir de presunções, indícios…  Como é que fica a situação, professor?
Rubens Casara — Indício é uma prova indireta. Indícios são fatos efetivamente provados que permitem, por dedução, a certeza acerca de outro fato que se quer provar.  No nosso modelo processual, é possível uma condenação com base em indícios, desde que eles sejam capazes de demonstrar cabalmente a ocorrência dos fatos descritos na denúncia. Esse não é o problema.
Por outro lado, os demais fenômenos que você menciona representam sérios riscos a uma concepção minimamente democrática de justiça penal, conforme já mencionei. Da mesma maneira, a possibilidade de uma decisão ad hoc, voltada à satisfação dos meios de comunicação de massa e de maiorias de ocasião forjadas na desinformação, representa um risco ao Estado de Direito.   
Por quê? Porque o Poder Judiciário tem como sua principal característica o fato de ser contramajoritário. Ou seja, ao contrário do Legislativo e do Executivo, que dependem da votação popular, o Judiciário tem o dever de julgar contra as maiorias, desde que isso seja necessário para preservar os direitos fundamentais das minorias ou de um único cidadão. Existem limites ao exercício do poder que, mesmo impopulares, devem ser respeitados.
Isso significa que se, para respeitar os direitos fundamentais do Fernandinho Beira-Mar ou do José Dirceu, o magistrado tiver que desagradar toda a opinião pública, ele tem que fazer isso. O Judiciário é, ou deveria ser o garantidor dos direitos fundamentais, dos direitos inerentes à condição humana.
Sempre que o Judiciário cede àquilo que, no início, chamei de “tentação populista”, ele se aproxima da atuação do Executivo e do Legislativo e, portanto, torna-se desnecessário. O Judiciário só se justifica para assegurar a concretização do projeto constitucional e, para tanto, deve, ou deveria, atuar como garantia dos direitos fundamentais de cada indivíduo, criminosos ou não, inclusive aqueles selecionados pela grande mídia para figurar como inimigos públicos da sociedade.
Viomundo – Por exemplo…
Rubens Casara — Vamos imaginar uma sociedade racista. Se o Poder Judiciário não for contramajoritário, as decisões vão ser racistas.
Numa sociedade sexista, se o Poder Judiciário não for contramajoritário, as decisões vão ser sexistas. Numa sociedade  homofóbica, as decisões vão ser homofóbicas…
Cabe ao Judiciário impor limites aos desejos e perversões das maiorias.
Acho importante também frisar que os juízes, como todo mundo, estão inseridos em uma tradição que acaba por condicionar suas decisões. O problema no Brasil é que essa tradição é extremamente autoritária. As pessoas recorrem ao sistema de justiça criminal para resolver os mais diversos problemas. Acreditam no uso da força para solucioná-los. Problemas sociais ou políticos, por exemplo, são desqualificados, descontextualizados e redefinidos como se fossem meros casos de polícia a serem resolvidos no sistema de justiça criminal.
A sociedade brasileira é autoritária. A ausência de rupturas históricas talvez explique porque ainda hoje práticas típicas da ditadura, como a relativização de direitos fundamentais, são naturalizadas. E essa natureza autoritária acaba repercutindo em todas as decisões judiciais — da primeira instância à Suprema Corte.
Viomundo – O ônus da prova cabe à acusação…
Rubens Casara – Nos modelos democráticos!!!
Viomundo – A partir do momento em que o Judiciário inverte esse papel, qual o risco para a sociedade?
Rubens Casara — A inversão do ônus da prova em matéria penal é um sintoma nítido da ausência de uma cultura democrática na sociedade brasileira. Em nome de uma maior eficiência dos órgãos encarregados da repressão penal, da busca por um maior número de condenações, direitos e garantias previstas na Constituição da República são negados, e a sociedade brasileira assiste a tudo isso calada  porque se acostumou com o autoritarismo.
A naturalização de posturas autoritárias impede a criação de uma cultura verdadeiramente democrática, de respeito aos diretos fundamentais.
Nós, por vezes, aplaudimos atos de autoritarismo. Há quem bata palmas para condenações desassociadas de um suporte probatório robusto e confiável, conforme os meios de comunicação de massa têm noticiado. Há também quem concorde com a inversão do ônus da prova em matéria penal, sem perceber que isso representa um risco à própria ideia de democracia processual.
Viomundo — Por quê?
Rubens Casara — Por que o ônus da prova cabe ao Ministério Público? Porque o Ministério Público é o Estado-Administração, a parte que tem as melhores condições de provar as hipóteses que formula. O acusado é, nessa relação, a parte mais fraca. Por mais poderoso que o acusado seja, do outro lado está o Estado, o Leviatã, com sua estrutura e recursos.
Essa é a dimensão probatória do princípio da presunção da inocência. Se o indivíduo deve ser tratado como se inocente fosse, cabe ao Estado afastar essa presunção, a única admitida, no Estado de Direito, em matéria penal.
O sistema processual penal, como instrumento de tutela da liberdade, permite constatar que ao Estado também não interessa, e não deveria interessar aos seus agentes, a condenação de um possível inocente, mesmo diante do risco da absolvição de um culpado. Ao réu, basta a dúvida, que impõe, por força da Constituição, a absolvição.
Ao adotar o princípio da presunção de inocência e atribuir ao acusador o ônus de provar a materialidade e a autoria dos delitos que o Estado pretende punir, o legislador constituinte faz uma opção política que implica no reconhecimento de que alguns culpados vão acabar absolvidos, mas que isso é melhor do que condenar pessoas que podem ser inocentes.
Diante desse quadro, o processo penal funciona e só se legitima como garantia contra a opressão estatal.
Assim, se o Estado quer punir quem pratica uma ilegalidade, ele tem de demonstrar, de forma cabal, respeitados o devido processo legal e os demais limites éticos e legais, que o acusado praticou um delito.
Não se pode presumir que alguém é culpado, por exemplo, que determinada pessoa é “o chefe da quadrilha”, a não ser que exista prova concreta, segura e suficiente da existência e da autoria do crime narrado na denúncia pelo acusador.
Para alguém ser condenado, o Estado tem de afastar qualquer dúvida razoável.  Do contrário, fica-se muito próximo do existia no modelo fascista italiano, no nazista alemão e no da extinta União Soviética. Ninguém pode ser punido pelo que é, por ser antipático ou desagradar aos detentores do poder, mas somente por aquilo que se demonstra que ele fez.
Viomundo – Por que a ideia de atribuir o ônus da prova ao Ministério Público, portanto ao Estado?
 Rubens Casara — Para preservar o indivíduo da fúria persecutória do Estado, respeitando-o como sujeito de direitos. Busca-se também evitar que se onere em demasia a parte mais fraca da relação processual.
Sob o prisma processual, somente a acusação é que alega a ocorrência de um delito, atribuindo-o  ao réu. A opção do nosso sistema é de que ao réu sempre se atribuirá o benefício da dúvida, devendo a outra parte, o Ministério Público, diante das prerrogativas e poderes que têm, comprovar o que alegou na denúncia.
No Brasil, nós temos uma visão simplista de achar que só quem responde a processo criminal é bandido e que “bandido bom é bandido sem direitos”.
Isso é falso. Tem pessoas com a ficha limpíssima que praticaram uma enorme quantidade de crimes, enquanto outras, que respondem a vários processos, são inocentes e podem acabar condenadas. O sistema penal é seletivo, de todos aqueles que praticam crimes, poucos acabam julgados; e nem todos que são julgados praticaram crimes.
O desafio é garantir os direitos fundamentais a todos que respondam a processos criminais, sejam eles inocentes ou culpados. Isso é que nos faz humanos e qualifica o processo penal como um instrumento racional de garantia dos direitos. O Estado, durante o processo criminal, não pode violar direitos ou garantias do acusado, sob pena de perder a superioridade ética que o distingue dos criminosos.
E se é para desrespeitar os direitos fundamentais, não precisaríamos do processo penal, nem do Judiciário. Bastava prender a pessoa, colocá-la na cadeia, tirando-a do convívio social, sem maiores justificativas. Insisto: o Judiciário existe para garantir os direitos fundamentais de todos.
Viomundo – Diz-se que o Supremo está sendo até pela mídia no julgamento do mensalão. O que acha?
Rubens Casara – A influência midiática está intimamente ligada ao que chamei, para utilizar um termo cunhado por Garapon, de “tentação populista”.  O populismo penal, aliás, toda forma de populismo, incorporado pelos tribunais — eu não estou falando especificamente da Ação Penal 470 — é um risco para a sociedade.
Agora, é um risco esperado. Numa sociedade do espetáculo não é estranho que o Judiciário queira chamar atenção para si e reproduzir o que já acontece em outras esferas, transformando-se num judiciário espetacular. Cada juiz também quer aparecer bem no espetáculo.
Não causa surpresa, portanto, que o Poder Judiciário, do primeiro grau até os tribunais superiores, procure agradar aos meios de comunicação de massa através de decisões, ainda que contrárias à Constituição da República.
Percebe-se que a esquerda tem uma culpa tremenda no atual quadro, porque nunca deu importância ao Judiciário, sempre o considerou como um mero instrumento de opressão e de manutenção das estruturas sociais.
Acontece que no Estado Democrático de Direito o Judiciário é fundamental à garantia dos direitos e à concretização do projeto constitucional.
E o que fez o Partido dos Trabalhadores em relação ao Poder Judiciário? Contribuiu para uma composição conservadora do órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro.
O exemplo do Supremo Tribunal Federal é emblemático: foram indicados para ministros, salvo raras exceções, pessoas conservadoras, sem compromissos com uma visão progressista de Estado, alguns ligados a setores conservadores da Igreja Católica ou a políticos historicamente contrários às lutas do próprio Partido dos Trabalhadores.
Em suma, perdeu a rara oportunidade de promover uma verdadeira revolução democrática no Poder Judiciário brasileiro. Vale registrar, por oportuno, que os movimentos sociais e os setores mais progressistas da sociedade civil sequer foram ouvidos por ocasião das escolhas.
Há um mito de que os juízes devem ser neutros. Isso não existe. Sob o discurso da neutralidade e da técnica, juízes praticam, e sempre praticaram, atos políticos a partir de suas visões de mundo. A extradição de Olga Benário, grávida de Anita Prestes, para os nazistas que a mataram, por exemplo, foi promovida a partir de uma decisão política travestida da melhor técnica processual no Supremo Tribunal Federal. Aliás, há um pouco de Eichmann em todos esses magistrados que se afirmam neutros e meramente técnicos.
Acho que, diante dos últimos acontecimentos, a própria esquerda que está no governo federal acabará se conscientizando da necessidade de se pensar o Poder Judiciário, de se criarem mecanismos de efetivo controle popular e de se promoverem indicações para os tribunais superiores de pessoas comprometidas com o projeto constitucional de vida digna para todos, para além dos projetos pessoais de poder.

Fonte:   vi O Mundo

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CARTA ABERTA: “SOMOS CONTRA A TRANSFORMAÇÃO DO JULGAMENTO EM ESPETÁCULO”


Desde o dia 02 de agosto o Supremo Tribunal Federal julga a ação penal 470, também conhecida como processo do mensalão. Parte da cobertura na mídia e até mesmo reações públicas que atribuem aos ministros o papel de heróis nos causam preocupação.
Somos contra a transformação do julgamento em espetáculo, sob o risco de se exigir – e alcançar – condenações por uma falsa e forçada exemplaridade.  Repudiamos o linchamento público e defendemos a presunção da inocência.
A defesa da legalidade é primordial. Nós, abaixo assinados, confiamos que os Senhores Ministros, membros do Supremo Tribunal Federal, saberão conduzir esse julgamento até o fim sob o crivo do contraditório e à luz suprema da Constituição.


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Erotildes Medeiros, jornalista
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Giane Alvares Ambrósio Alvares, advogada
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Gonzalo Vecina Neto,  médico sanitarista, professor da FSP/USP
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Iná Camargo, professora universitária USP
Iolanda Toshie Ide, professora universitária aposentada Unesp/Marília
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Ivy Farias,  jornalista
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João Pedro Stédile, presidente nacional do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
João Quartim de Morais, cientista político, professor universitário Unicamp
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Jorge Mautner, cantor e escritor
José Antonio Fernando Ferrari, antiquário
José Arrabal, professor, jornalista e escritor
José Carlos Asbeg, cineasta
José Carlos Henrique, arquiteto
José Carlos Tórtima, advogado
José Fernando Pinto da Costa, presidente do grupo educacional Uniesp
José Ibrahim, líder sindical
José Luiz Del Roio, escritor
José Marcelo, pastor batista
Josefhina Bacariça, educadora popular em Direitos Humanos
Julia Barreto, produtora cinematográfica
Julio Cesar Senra Barros, interlocutor social
Jun Nakabayashi, cientista político
Juvandia Moreira, sindicalista, presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região
Ladislau Dowbor, economista, professor universitário PUC/SP
Laio Correia Morais, estudante de direito USP
Laurindo Leal Filho, jornalista e sociólogo, professor universitário USP
Lauro Cesar Muniz, dramaturgo
Levi Bucalem Ferrari, escritor e professor de ciências políticas
Lia Ribeiro, jornalista
Lincoln Secco, historiador, professor universitário USP
Lorena Moroni Girão Barroso, servidora pública federal
Lucas Yanagizawa Paes de Almeida Nogueira Pinto, estudante de psicologia
Lucy Barreto, produtora cinematográfica
Luiz Carlos Bresser Pereira, economista, professor FGV
Luiz Edgard Cartaxo de Arruda Junior, memorialista
Luiz Fenelon P. Barbosa, economista
Luiz Fernando Lobo, artista
Luiz Gonzaga Belluzzo, economista, professor universitário Unicamp
Luiz Pinguelli Rosa, professor da UFRJ
Maia Aguilera Franklin de Matos, estudante de direito USP
Maira Machado Frota Pinheiro, estudante de direito/USP
Malu Alves Ferreira, jornalista
Manoel Cyrillo de Oliveira Netto, publicitário
Marcelo Carvalho Ferraz, arquiteto
Marcelo Santiago, cineasta
Marcílio de Freitas, professor da UFAM
Márcio Souza, escritor
Marcionila Fernandes, professora, pró-reitora de pós-graduação e pesquisa da UEPB
Marco Albertim, jornalista
Marco Antonio Marques da Silva, desembargador
Marco Aurélio Belém Purini, estudante de direito USP
Marco Aurélio de Carvalho, advogado
Marco Piva, jornalista e empresário da área de comunicações
Marcos José de Oliveira Lima Filho, doutorando em Direito da UFPB
Marcus Robson Nascimento Costa
Maria Carmelita A. C. de Gusmão, professora
Maria das Dores Nascimento, advogada
Maria do Socorro Diogenes, professora
Maria Guadalupe Garcia, socióloga
Maria Izabel Calil Stamato, psicóloga, Universidade Católica de Santos
Maria José Silveira, escritora
Maria Luiza de Carvalho, aposentada
Maria Luiza Quaresma Tonelli, professora e advogada
Maria Victoria Benevides, socióloga, professora universitária USP
Mariano de Siqueira Neto, desembargador aposentado
Marilene Correa da Silva Freitas, professora da UFAM
Marília Cintra Labaki, secretária
Marília Guimarães, escritora, Comitê Internacional de intelectuais e artistas em defesa da humanidade
Mário Cordeiro de Carvalho Junior, professor da FAF/UERJ
Marlene Alves, professora, reitora da UEPB
Marly Zavar, coreógrafa
Marta Nehring, cineasta
Marta Rubia de Rezende, economista
Martha Alencar, cineasta
Maryse Farhi, economista, professora universitária
Matheus Toledo Ribas, estudante de direito USP
Michel Chebel Labaki Jr.
Michel Haradom, empresário, presidente da FERSOL
Mirian Duailibe, empresária e educadora
Ney de Mello Almada, desembargador  aposentado
Nilson Rodrigues, produtor cultural
Noeli Tejera Lisbôa, jornalista
Oscar Niemeyer, arquiteto
Otavio Augusto Oliveira de Moraes, estudante de economia PUC/SP
Otávio Facuri Sanches de Paiva, estudante de direito USP
Pablo Gentili, educador, professor universitário UERJ, FLACSO
Paula Barreto, produtora cinematográfica
Paulo Baccarin, procurador da Câmara Municipal de São Paulo
Paulo Betti, ator
Paulo Roberto Feldmann, professor universitário, USP, presidente da Sabra Consultores
Paulo Thiago, cineasta
Pedro Gabriel Lopes, estudante de direito USP
Pedro Igor Mantoan, estudante de direito USP
Pedro Rogério Moreira, jornalista
Pedro Viana Martinez, estudante de direito USP
Raul de Carvalho, pesquisador
Regina Novaes, socióloga/RJ
Regina Orsi, historiadora
Renato Afonso Gonçalves, advogado
Renato Tapajós, cineasta
René Louis de Carvalho, professor universitário UFRJ
Ricardo Gebrim, advogado
Ricardo Kotscho, jornalista
Ricardo Miranda, cineasta
Ricardo Musse, filósofo, professor USP
Ricardo Vilas, músico
Ricardo Zarattini Filho, engenheiro
Risomar Fassanaro, poetisa e jornalista
Roberto Gervitz, cineasta
Rodrigo Frateschi, advogado
Ronaldo Cramer, professor de direito PUC/RJ
Rose Nogueira, jornalista
Rubens Leão Rego, professor Unicamp
Sandra Magalhães, produtora cultural
Sebastião Velasco e Cruz, cientista político, professor universitário Unicamp
Sérgio  Ferreira, médico
Sergio Amadeu da Silveira, sociólogo e professor da UFABC
Sergio Caldieri, jornalista
Sérgio Mamberti, ator
Sergio Mileto, empresário, presidente da Alampyme – Associação Latino Americana de Pequenos Empresários
Sérgio Muniz, cineasta
Sérgio Nobre, sindicalista, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC
Sérgio Ricardo, cantor
Sérgio Vampre, advogado
Silvio Da Rin, cineasta
Tatiana Tiemi Akashi, estudante de direito USP
Teresinha Reis Pinto, biomédica e pedagoga Consultora UNESCO
Tereza Trautman, cineasta
Theotônio dos Santos, economista
Tizuka Yamasaki, cineasta
Tullo Vigevani, professor Unesp/Marília
Urariano Mota, escritor e jornalista
Vagner Freitas de Moraes, sindicalista, presidente nacional da CUT – Central Única dos Trabalhadores
Valter Uzzo, advogado
Venicio Artur de Lima, jornalista e sociólogo
Vera Lúca Niemeyer
Vera Maria Chalmers, professora universitária Unicamp
Verônica Toste, professora universitária IESP/UERJ
Vitor Fernando Campos Leite, estudante de direito USP
Vitor Quarenta, estudante de direito Unesp/Franca
Vladimir Sacchetta, jornalista e produtor cultural
Wadih Damous, advogado/RJ
Walnice Nogueira Galvão, professora de literatura comparada USP
Walquikia Leão Rego, professora Unicamp
Zé de Abreu, ator
Para apoiar, envie e-mail para: cartaabertaadesoes@gmail.com



EM DEFESA DE JOSÉ DIRCEU


Por Ricardo Kotscho, no blog Balaio do Kotscho:

Dez anos atrás, nesta mesma época, todo mundo queria ser amigo de José Dirceu, o coordenador da campanha que dali a alguns dias levaria Lula à sua primeira vitória nas eleições presidenciais.

Hoje, é tratado pela maior parte da imprensa como se fosse o inimigo público número um, alguém a ser execrado e combatido de todas as formas, embora ainda lhe restem muitos amigos.


Nomeado ministro-chefe da Casa Civil, Dirceu teve papel importante na formação do governo eleito, sem maioria no Congresso Nacional. Discutida durante várias semanas, a aliança com o PMDB, o maior partido no parlamento, não deu certo.

Nascem aí, a meu ver, as dificuldades políticas do PT, que três anos depois levariam o partido a ser denunciado no caso do mensalão, dando início ao processo ora sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

Bem antes, porém, do STF abrir suas portas para colocar em pauta a ação penal 470, José Dirceu já parecia condenado às penas máximas, e ponto - só não se exigindo a pena de morte porque não consta da nossa legislação.

O bombardeio contra Dirceu na opinião pública foi de tal ordem que não podia mais haver nenhuma discussão sobre os autos e as provas constantes do processo.

Simplesmente, não se admitia dos ministros do STF outra decisão a não ser condená-lo e mandá-lo para a cadeia, com ou sem provas, quaisquer que fossem os argumentos da defesa.

Programado para coincidir com a reta final da campanha eleitoral, o julgamento de José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares na próxima semana é tratado como causa vencida, antes que seja dado o primeiro voto no STF.

Dirceu tornou-se o símbolo do PT a ser destruído, mas na verdade o que se busca com a sua condenação é desconstruir a imagem do governo de Lula, aprovado por mais de 80% da população, e do seu partido. No noticiário, nas colunas, nos blogs e nos comentários das redes sociais, virou uma guerra de extermínio, a vingança de quem perdeu o poder em 2002.

É nesse clima de esfola e mata que um grupo de artistas, intelectuais e acadêmicos está preparando um documento, que já conta com mais de 200 assinaturas, em defesa de um julgamento que respeite os réus e não ceda ao massacre promovido pelos meios de comunicação.

"Não reivindicamos a inocência de ninguém. Mas esperamos que os ministros do STF saibam punir quem tem de ser punido. E inocentar quem tem direito à inocência", diz um dos articuladores do texto, o produtor de cinema Luiz Carlos Barreto, 82 anos, velho amigo do ex-ministro.

"Não é um manifesto. É um texto filosófico-doutrinário de cidadãos brasileiros preocupados com a manutenção de alguns direitos constitucionais, sobretudo o direito à presunção da inocência", explicou Barreto a Fabio Brisolla, da Folha.

"Somos contra a espetacularização do julgamento, o pré-julgamento e a pré-condenação que vem se fazendo publicamente. Esperamos que o julgamento seja feito no tribunal". O nome de José Dirceu nem é citado no texto.

Um dos signatários é o arquiteto Oscar Niemeyer, que disse a O Globo: "Desde o início há uma campanha contra o José Dirceu. Um exagero.” O economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, que foi ministro no governo de Fernando Henrique Cardoso, justificou sua adesão ao documento por se tratar de "um texto que fala sobre como se aplicam os princípios de direito em geral, que precisam ser seguidos".

Os autores do documento ainda não decidiram se a mensagem será enviada aos ministros do STF. Entre outros, assinam o texto o compositor e poeta Jorge Mautner, a empresária Flora Gil, mulher de Gilberto Gil, os cineastas Bruno Barreto e Tizuka Yamazaki, o escritor Fernando Morais e o músico Alceu Valença.

Em outras palavras, questões jurídicas e político-eleitorais à parte, o que o documento dos seus amigos reivindica é respeito aos direitos do cidadão José Dirceu.
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