CartaCapital n˚ 613
Pelo blog e pelo twitter, a colunista social Hildegard Angel combate a predileção da mídia por Serra e denuncia os preconceitos contra Lula e Dilma.
Por Cynara Menezes para CartaCapital
Enquanto seu irmão Stuart era preso e morto pela ditadura, em 1971, a jovem Hildegard Angel iniciava trajetória oposta, no colunismo social do jornal O Globo, onde trabalharia, entre idas e vindas, por quase 40 anos. Em 1976, quando a mãe dos dois, a estilista Zuzu, foi assassinada pelo regime em um “acidente” de carro, Hildegard já era uma jornalista conhecida e atriz de tevê. Não deixa de ser interessante que, aos 60, recém-saída do extinto Jornal do Brasil (agora só on-line), assuma uma postura de franco-atiradora.
Suas armas são um blog e o twitter. Seus alvos: a mídia e a preferência pelo candidato José Serra, do PSDB. No mês passado, ela declarou voto em Dilma Rousseff, do PT. Na entrevista concedida a CartaCapital em sua cobertura de frente para o mar em Copacabana, Hildegard Angel, criadora do termo “emergente” para definir os novos ricos cariocas, diz que Lula sofre preconceito por ser um deles, na política. “Já o Serra é o valoroso self-made-man”, ironiza.
CC: Por que a senhora decidiu apoiar Dilma Rousseff?
H: Ela estava sendo tão massacrada que achei ser o momento de me posicionar. Era um bombardeio de e-mails, de sobrenomes coroadíssimos, atacando a Dilma. Começaram denegrindo pelo físico, que ela era feia, horrorosa, megera, medonha. Aí ela ficou bonita e não puderam mais falar. Então começaram a atacar a parte moral, que ela é assassina, terrorista, ladra. Isso é um reflexo da impunidade. Enquanto não colocarmos nos devidos lugares os que foram responsáveis pelas atrocidades da ditadura, eles vão se sentir no direito de forjar uma realidade inexistente, de denegrir nossos mártires, nossos heróis.
CC: Antes desta eleição, a senhora já tinha se posicionado politicamente?
H: Não. Em nível nacional é a primeira vez. E acho que meu depoimento e o almoço que a Lily Marinho (viúva de Roberto Marinho) promoveu romperam o círculo “demonizante” erguido em torno da Dilma. Ali se fez uma fissura. A classe alta pensante e os ricos mais liberais se permitiram uma abertura.
CC: Lily Marinho apoia Dilma?
H: A Lily passou a apoiar Dilma depois que a conheceu. Quando ela fez o almoço pra Dilma, estava agindo como a mulher do Roberto Marinho, que está acima do bem e do mal e que pode se dar ao luxo de receber quem bem entende. Mas a Dilma conquistou a Lily. Antes do almoço, podia até haver a ideia de receber também os outros candidatos. Depois, não havia mais.
CC: Houve reação dos filhos de Roberto Marinho pela madrasta ter recebido a candidata do PT?
H: A Lily tem uma relação tão harmoniosa, tão respeitosa com eles, que acho que jamais teriam qualquer tipo de reação. O jornal e toda a organização têm sido muito duros com a Dilma. A única matéria positiva sobre ela, até hoje em O Globo, da primeira até a última palavra, foi a do almoço com a Lily.
CC: Há quatro anos o ex-governador de São Paulo Claudio Lembo criticou a “elite branca”. A senhora acha que ele falava só da paulistana ou da carioca também?
H: Da elite brasileira como um todo. É uma elite preconceituosa, que tem seus valores, seus princípios, e acha muito difícil abrir mão de suas convicções.
CC: Que tipo de rico tem preconceito com o Lula?
H: O rico do passado, da herança, do aluguel, muito apegado a tradições, a sobrenome. É, na maioria, uma elite não produtiva. Porque a elite produtiva, o homem que emprega, que gera progresso, desenvolvimento, não deixa de aplaudir o Lula. Mas, às vezes, a mulher deste homem não aplaude... Diplomatas aposentados também têm preconceito com Lula. O Itamaraty sempre foi o filé mignon do serviço público brasileiro, pela cultura, pela erudição, pelo savoir faire. E a política externa atual vai na contramão disso tudo. Esse é um segmento social que rejeita o Lula, o dos punhos de renda.
CC: Nos círculos que frequenta, ainda há gente que faz piada com a origem humilde de Lula?
H: O vaivém dos e-mails de gente da classe A contra o Lula é de uma variedade enorme... Por exemplo, as festas caipiras do Lula incomodaram muito. Já a Zuzu Angel sempre viu uma beleza extraordinária na caipirice, tanto que foi a primeira a usar as rendas do Norte, a misturar com organza, a usar as chitas, hoje tão na moda. Minha mãe tinha uma frase: a moda brasileira só será internacional se for legítima. Por isso foi a primeira a ter penetração no exterior. De certa forma, o Lula, com as festas caipiras dele, fez o que a Zuzu fez em 1960 com a moda caipira dela.
CC: Serra também tem origem humilde. Por que não existe esse preconceito contra ele?
H: Porque o perfil do Lula se encaixa mais no do emergente. O do Serra é o do valoroso self-made man... O Serra, para ser o homem que é, teve de dominar os códigos da elite, pelo estudo, pela convivência com pessoas intelectualmente superiores. Já o Lula foi abrindo caminho na base da cotovelada. E, de certa maneira, se manteve fiel à sua raça. Não se transformou com a ascensão, não se desligou, guardou seu ranço de pobreza, a memória do sofrimento. Isso o tornou mais sensível.
CC: E por outro lado o faz ser malvisto?
H: Sim, porque nunca será um igual, nem faz questão. A dona Marisa Letícia nunca abriu seus salões. Durante o governo FHC, fui inúmeras vezes convidada para recepções no Itamaraty e, em governos anteriores, até no Palácio da Alvorada. No governo Lula, só fui convidada uma vez, para o Itamaraty. Black-tie nunca existiu. Isso cria uma limitação de trânsito social. Não há uma interação para esta sociedade se inserir dentro de uma linguagem que não seja de gabinete junto à família Lula.
CC: Ainda tem muito preconceito de classe no Brasil?
H: Cada vez menos, mas tem. O que Lula sofre é preconceito de classe, mas está sendo superado por ele mesmo. Essa possível vitória da Dilma mostra que não é só o povão, não só aqueles que melhoraram de situação. Tem muito rico pensando diferente, saindo do casulo, desse gueto de pensamento.
CC: O interessante é que o dinheiro também tem de ser bem-nascido. De padaria, de marmita, não é dinheiro “bom”?
H: O dinheiro do comércio sempre foi visto no Brasil como um dinheiro sem base cultural, de origem ruim. Já o dinheiro da indústria, da área financeira, era “digno”. Agora, com a falta generalizada de dinheiro no meio dos que eram muito ricos, estas pessoas com dinheiro de origem menos nobre conseguiram uma posição de respeitabilidade no ambiente social.
CC: Os emergentes são mais respeitados?
H: São mais aceitos, embora o verdadeiro emergente não esteja mais preocupado com isso. O verdadeiro emergente não tem aquelas veleidades do nouveau riche de antigamente. O nouveau riche de ontem queria entrar para o soçaite, queria que seus filhos estudassem com os filhos do soçaite, tinham aquela visão encantada de alta sociedade. O emergente de hoje tem mais noção do seu poder, não é tão submisso. Com o empobrecimento do rico tradicional, o rico do dinheiro novo se achou numa posição de não precisar fazer tanto a corte a essas pessoas.
CC: O dinheiro de Eike Batista, por exemplo, é “nobre”?
H: Culturalmente falando, sim. Ele é filho de Eliezer Batista, que tinha grande status no País há muitas décadas. O que acontece é que o Eike sabe muito bem o que quer. Gosta de esporte, de mulher bonita, dos filhos e do trabalho dele. Sua vida é um retrato disso. Tem um carro espetacular de corrida na sala, tem casa decorada com troféus das suas lanchas. Ele poderia ter um Picasso, mas não é aquele rico tradicional. Nós temos no País essa classe da riqueza envergonhada, que não tem muito como explicar o seu dinheiro, da riqueza escondida, que não pode ser fotografada... E o Eike, como tudo dele, acredito, seja declarado lá no imposto, pode expor seu dinheiro. Ele é o rico da riqueza assumida.
CC: O jornalista Mauricio Stycer estudou a coluna de Cesar Giobbi no Estadão em 2002, quando Lula se candidatou pela primeira vez, e concluiu que o colunista fez campanha disfarçada para Serra. Isso é comum?
H: Ah, a Miriam Leitão também faz... É comum o colunista ter afinidade com o veículo e ter uma linha de raciocínio que vai ao encontro da dele e ao meio em que convive. O Giobbi é uma pessoa estimadíssima na alta sociedade paulistana, não é visto nem como jornalista, é visto como “da turma”. A Mônica Bergamo (Folha de São Paulo) não é vista como uma “da turma”. O Giobbi é um do time, então raciocina de acordo com seu time.
CC: Dos colunistas sociais clássicos, como Ibrahim Sued, tinha algum que era mais de esquerda?
H: O Zózimo (Barroso do Amaral) era visto à esquerda, mas era muito discreto, eu nunca o vi se posicionar ostensivamente na contramão do seu grupo social. Isso não existe. Havia na época uma coisa charmosa, atraente, um esquerdismo light, fazia parte do put together da elegância.
CC: Manifestar-se politicamente agora a recoloca mais no caminho do Stuart e da Zuzu?
H: Sinto-me um pouco refém da coragem da minha família, é como se tivesse retomado meu curso. Como se cumprisse uma trajetória que estava ali me esperando, neste momento que as pessoas se acomodaram, que estão submetidas a seus empregos, todas colocadas na grande imprensa, com uma posição monocórdia, um pensamento único.
CC: Pretende se tornar uma guerrilheira on-line?
H: Eu seria muito pretensiosa e desrespeitosa se de alguma maneira usasse essa qualificação de guerrilheira. Guerrilheiro foi meu irmão. Eu não fui. Estou tirando o atraso, só isso.
O depoimento de Hildegar Angel está aqui:
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enviado por Jotamorim
importado do Gilson Sampaio