247 – O pensador Leonardo Boff respondeu, num artigo, às
críticas do blogueiro de Veja Reinaldo Azevedo contra Oscar Niemeyer. Para
Reinaldo, que publicou três textos sobre o assunto em seu blog, o brilhante
arquiteto brasileiro era "metade gênio e metade idiota". Em seu último post, o
colunista menciona que Niemeyer foi a capa da última edição da revista,
"com todas as honras".
De acordo com o filósofo, Reinaldo se assemelha a um escaravelho,
popularmente chamado de besouro rola-bosta, "que vive dos excrementos de
animais herbívoros, fazendo rolinhos deles com os quais, em sua toca, se
alimenta". Boff diz que "algo semelhante fez o blog de Azevedo na
VEJA online: foi buscar excrementos de 60 e 70 anos atrás" para atacar o
artista brasileiro.
Como muitos leitores do blogueiro diante dos posts sobre Niemeyer, o
filósofo assegura: "Quem diz ser Oscar Niemeyer um idiota apenas revela
que ele mesmo é um idiota consumado". Leia abaixo a íntegra de seu artigo:
Oscar
Niemeyer, a Veja online e o Escaravelho
Com a morte de Oscar Niemeyer aos 104 anos de idade ouviram-se vozes do
mundo inteiro cheias de admiração, respeito e reverência face a sua obra
genial, absolutamente inovadora e inspiradora de novas formas de leveza,
simplicidade e elegância na arquitetura. Oscar Niemeyer foi e é uma pessoa que
o Brasil e a humanidade podem se orgulhar.
E o fazemos por duas razões principais: a primeira, porque Oscar
humildemente nunca considerou a arquitetura a coisa principal da vida; ela
pertence ao campo da fantasia, da invenção e do lúdico. Para ele era um jogo
das formas, jogado com a seriedade com que as crianças jogam.
A segunda, para Oscar, o principal era a vida. Ela é apenas um sopro,
passageira e contraditória. Feliz para alguns mas para as grandes maiorias
cruel e sem piedade. Por isso, a vida impõe uma tarefa que ele assumiu com
coragem e com sérios riscos pessoais: a da transformação. E para transformar a
vida e torná-la menos perversa, dizia, devemos nos dar as mãos, sermos
solidários uns para com os outros, criarmos laços de afeto e de amorosidade
entre todos. Numa palavra, nós humanos devemos aprender a nos tratar
humanamente, sem considerar as classes, a cor da pele e o nível de sua
instrução.
Isso foi que alimentou de sentido e de esperança a vida desse gênio
brasileiro. Por aí se entende que escolheu o comunismo como a forma e o caminho
para dar corpo a este sonho, pois, o comunismo, em seu ideário generoso, sempre
se propôs a transformação social a partir das vítimas e dos mais invisíveis.
Oscar Niemeyer foi um fiel militante comunista.
Mas seu comunismo era singular: no meu modo de ver, próximo dos cristãos
originários pois era um comunismo ético, humanitário, solidário, doce, jocoso,
alegre e leve. Foi fiel a esse sonho a vida inteira, para além de todos os
avatares passados pelas várias formas de socialismo e de marxismo.
Na medida em que pudemos observar, a grande maioria da opinião pública
mundial, foi unânime na celebração de sua arte e do significado humanista de
sua vida. Curiosamente a revista VEJA de domingo, dedica-lhe 10 belas páginas.
Outra coisa, porém, é a revista VEJA online de 7 de dezembro com um artigo do
blog do jornalista Reinado Azevedo que a revista abriga.
Ele foi a voz destoante e de reles mau gosto. Até agora a VEJA não se
distanciou daquele conteúdo, totalmente, contraditório àquele da edição
impressa de domingo. Entende-se porque a ideologia de um é a ideologia do
outro. Pouco importa que o jornalista Azevedo, de forma confusa, face às
críticas vindas de todos os lados, procure se explicar. Ora se identifica com a
revista, ora se distancia, mas finalmente seu blog é por ela publicado.
Notoriamente, VEJA se compraz em desfazer as figuras que melhor mostram
nossa cultura e que mais penetraram na alma do povo brasileiro. Essa revista
parece se envergonhar do Brasil, porque gostaria que ele fosse aquilo que não é
e não quer ser: um xerox distorcido da cultura norte-americana. Ela dá a
impressão de não amar os brasileiros, ao contrário expõe ao ridículo o que eles
são e o que criam. Já o titulo da matéria referente a Oscar Niemeyer da autoria
de Azevedo, revela seu caráter viciado e malevolente: "Para instruir a
canalha ignorante. O gênio e o idiota em imagens". Seu texto piora mais
ainda quando, se esforça, titubeante, em responder às críticas em seu blog do
dia 8/12 também na VEJA online com um título que revela seu caráter despectivo
e anti-democrático:"Metade gênio e metade idiota- Niemeyer na capa da VEJA
com todas as honras! O que o bloco dos Sujos diz agora?" Sujo é ele que quer
contaminar os outros com a própria sujeira de uma matéria tendenciosa e
injusta.
O que se quer insinuar com os tipos de formulação usados? Que brasileiro
não pode ser gênio; os gênios estão lá fora; se for gênio, porque lá fora assim
o reconhecem, é apenas em sua terceira parte e, se melhor analisarmos, apenas
numa quarta parte. Vamos e venhamos: Quem diz ser Oscar Niemeyer um idiota
apenas revela que ele mesmo é um idiota consumado. Seguramente Azevedo está
inscrito no número bem definido por Albert Einstein: "conheço dois
infinitos: o infinito do universo e o infinito dos idiotas; do primeiro tenho
dúvidas, do segundo certeza". O articulista nos deu a certeza que ele e a
revista que o abriga possuem um lugar de honra no altar da idiotice.
O que não tolera em Oscar Niemeyer que, sendo comunista, se mostra
solidário, compassivo com os que sofrem, que celebra a vida, exalta a amizade e
glorifica o amor. Tais valores não cabem na ideologia capitalista de mercado,
defendida por VEJA e seu albergado, que só sabe de concorrência, de "greed
is good" (cobiça é coisa boa), de acumulação à custa da exploração ou da
especulação, da falta de solidariedade e de justiça em nível internacional.
Mas não nos causa surpresa; a revista assim fez com Paulo Freire,
Cândido Portinari, Lula, Dom Helder Câmara, Chico Buarque, Tom Jobim, João
Gilberto, frei Betto, João Pedro Stédile, comigo mesmo e com tantos outros. Ela
é um monumento à razão cínica. Segue desavergonhadamente a lógica hegeliana do
senhor e do servo; internalizou o senhor que está lá no Norte opulento e o
serve como servo submisso, condenado a viver na periferia. Por isso tanto a
revista quanto o articulista revelam um completo descompromisso com a verdade
daqui, da cultura brasileira.
A figura que me ocorre deste articulista e da revista semanal, em versão
online, é a do escaravelho, popularmente chamado de rola-bosta. O escaravelho é
um besouro que vive dos excrementos de animais herbívoros, fazendo rolinhos
deles com os quais, em sua toca, se alimenta. Pois algo semelhante fez o blog
de Azevedo na VEJA online: foi buscar excrementos de 60 e 70 anos atrás,
deslocou-os de seu contexto (ela é hábil neste método) e lançou-os contra Oscar
Niemeyer. Ela o faz com naturalidade e prazer, pois, é o meio no qual vive e se
realimenta continuamente. Nada de surpreendente, portanto.
Paro por aqui. Mas quero apenas registrar minha indignação contra esta
revista, em versão online, travestida de escaravelho por ter cometido um crime
lesa-fama. Reproduzo igualmente dois testemunhos indignados de duas pessoas
respeitáveis: Antonio Veronese, artista plástico vivendo em Paris e João
Cândido Portinari, filho do genial pintor Cândido Portinari, cujas telas
grandiosas estão na entrada do edifício da ONU em Nova York e cuja imagem foi
desfigurada e deturpada, repetidas vezes, pela revista-escaravelho.
Oscar
Niemeyer e a imprensa tupiniquim - Antonio Veronese
Crítica mesquinha, que pune o Talento, essa ousadia imperdoável de alçar
os cornos acima da manada. No Brasil, Talento, como em nenhum outro país do
mundo, é indigerível por parte da imprensa, que se acocora, devorada por inveja
intestina. Capitania hereditária de raivosos bufões que já classificou a voz de
Pavarotti de ruído de pia entupida; a música de Tom Jobim de americanizada;
João Gilberto de desafinado e Cândido Portinari de copista...
Quando morre um homem de Talento, como agora o grande Niemeyer, os raivosos
bufões babam diante do espelho matinal sedentos de escárnio.
Não discuto a liberdade da imprensa. Mas a pergunta que se impõe é como
um cidadão, com a dimensão internacional de Oscar Niemeyer, (sua morte foi
reverenciada na primeira página de todos os grandes jornais do mundo) pode ser
chamado, por um jornalista mequetrefe, num órgão de imprensa de cobertura
nacional, de metade-gênio-metade idiota? Isso após sua morte, quando não é mais
capaz de defender-se, e ainda que sob a desculpa covarde, de reproduzir citação
de terceiros...
O consolo que me resta é que a História desinteressa-se desses espasmos
da estupidez. Quem se lembra hoje dos críticos da bossa nova ou de Villa-Lobos?
Ao talent, no entanto, está reservada a reverência da eternidade.
Antonio Vere tanta indignidade.
Com o carinho e a admiração do
Professor
João Candido Portinari (portinari@portinari.org.br)para Baronese
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Meu caro Antonio,
Que beleza o seu texto, um verdadeiro bálsamo para os que ainda
acreditam no mundo de amanhã nascendo do espírito, da fé e do caráter dos
homens de hoje!
Não é toda a imprensa, felizmente. Há também muita dignidade e valor na
mídia brasileira. Mas não devemos nos surpreender com a revista semanal. Em
termos de vileza, ela sempre consegue se superar. Ela terá, mais cedo ou mais
tarde, o destino de todas as iniquidades: a vala comum do lixo, onde nem a
história se dará o trabalho de julgá-la.
Os arquivos do Projeto Portinari guardam um sem número de artigos desta
rancorosa revista, assim como de outras da mesma editora, sobre meu pai,
Cândido Portinari e outros seus companheiros de geração. Sempre pérfidos,
infames e covardes, como este que vem agora tentar apequenar um grande homem
que para sempre enaltecerá a nossa terra e o nosso povo.