quinta-feira, 19 de agosto de 2010
Por que o Encontro Nacional de Blogueiros é mais importante do que uma assembleia conjunta de ABERT, ANER e ANJ
O título acima não é uma provocação arrogante ou uma declaração pretensiosa. É óbvio, público e notório, como diria meu amigo Damasceno, que o poder econômico e político dos grandes meios de comunicação do país é infinitamente superior ao dos blogs não alinhados ao pensamento do PIG*.
– Mas, afinal, tudo não se resume a esse binômio, dinheiro e influência? – alguém poderia argumentar.
Sim e não.
É verdade que o capitalismo — que nos domina e possui suas marcas próprias em todos os campos sociais, da arte à religião, da economia à política, passando pela ciência e outras áreas — consegue sintetizar ou reduzir quase toda a vivência coletiva às esferas da política e da economia.
Entretanto, é igualmente verdadeiro que a complexidade da sociedade contemporânea abriga, sobretudo em curtos e médios intervalos de tempo, muitos pequenos movimentos contra-hegemônicos em relação às tendências gerais do modo de vida dominante.
No cenário da comunicação no Brasil, os últimos dez ou quinze anos vêm demonstrando um nítido esgotamento do modelo de negócios (e, também, do modelo de serviços) que rege a chamada “velha mídia”. Definitivamente, não é tão simples faturar na Internet e nos ambientes oferecidos pelas novas tecnologias da informação e comunicação (TICs) quanto na mídia tradicional.
Simultaneamente, tem ocorrido uma forte corrosão da capacidade de influência dos principais veículos deste segmento, justamente aqueles mais diretamente vinculados aos setores mais conservadores da nossa sociedade.
Dito de outra forma, a televisão, o rádio e a imprensa têm perdido espaço para a Internet e as TICs a ela associadas, assim como Globo, Folha, Estadão, Veja, Band, SBT et caterva não possuem mais o enorme poder de influenciar “mentes e corações” que outrora (recentemente) possuíam.
Os movimentos deste campo – representado pela trinca ABERT/ANJ/ANER e outras entidades menores – na arena política são previsíveis e cada vez menos sutis. E são bastante consideráveis as limitações para quaisquer jogadas que lhe permitam manter o controle do mercado daquilo que é chamado de “infotenimento” (informação e entretenimento). Ou seja, deles não se deve esperar algo muito distinto do que já fazem, cada vez com menos impacto na sociedade, em relação ao que ocorre com a Internet e as TICs.
As poderosas empresas de telefonia já operando no Brasil e alguns grupos estrangeiros bem mais pujantes estão em plena ofensiva para atropelar as nossas oligarquias midiáticas tradicionais.
Navegando em outra perspectiva, milhares de pequenos atores da sociedade civil – nesse conceito incluo também veículos comerciais não associados organicamente ao oligopólio tradicional – têm construído perspectivas muito mais alinhadas ao ambientes criativos e interativos surgidos com a Internet e as TICs.
Blogueiros, ciberativistas, criadores/divulgadores de conteúdos independentes, militantes (d)e organizações que atuam na lógica de rede, comunicadores populares e comunitários, artistas que negam ou transformam o conceito de direito autoral e propriedade intelectual, veículos abertos e afinados à interação com seus usuários (leitores, ouvintes, telespectadores etc.), profissionais e coletivos autônomos envolvidos com um ou vários temas de interesse público, enfim, todos aqueles atores que trabalham baseados em três princípios fundamentais: horizontalidade, participação e diálogo (ou interatividade).
Este tripé de princípios, vale dizer, se adequa perfeitamente à perspectiva dos direitos humanos, em geral, e ao conceito do direito à comunicação, em particular. Mais do que alimentar os anseios por democratizar a comunicação — a rigor, a comunicação hoje é muito mais democrática do que há vinte anos —, é necessário lhes dar formas concretas e reivindicá-los na forma de direitos (e não meramente serviços, ainda que “de interesse público”), o que pressupõe inúmeras obrigações do Estado em relação a isso, traduzidas em políticas públicas.
O I Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas está precisamente inserido neste contexto, assim como a Teia Cultural, o movimento em prol do software livre, entre outros possíveis exemplos.
É de espaços como este — assim como de alguns setores engajados na Confecom, embora esta tenha acabado contaminada pelo espírito do mercado, ao contrário de outras conferências setoriais** — que se pode esperar rupturas libertárias, experimentações e visões/formas inovadoras para/de se comunicar, seja para fazer política, seja para criar arte, seja simplesmente para se vivenciar a intensa experiência da vida em sociedade.
Ninguém tem dúvida de que a Internet e o mundo ao seu redor ainda são oceanos incógnitos e que ainda estamos escrevendo a sua pré-história.
E é importante lembrar que, em vários aspectos, as potencialidades da grande rede e das novas tecnologias de comunicação ainda são muito subaproveitadas no Brasil. Juntemos a isso as péssimas condições estruturais das nossas infovias e temos um quadro amplamente favorável aos avanços positivos, a depender das decisões a serem tomadas no âmbito do Estado — que, por sua vez, resultarão do saldo das disputas de projetos na sociedade.
O clichê é bem gasto, mas ainda útil: blogueiros dispostos a conquistarem o seu, o meu, o nosso direito à comunicação, uni-vos!
Deixemos os veículos do PIG desferirem seus golpes cotidianos — nocivos ao jornalismo e, sobretudo, à sua própria credibilidade — e atentarem justamente contra aquilo que eles juram defender, mas, na realidade, consideram seu monopólio: a liberdade de expressão.
*PIG é o Partido da Imprensa Golpista, termo criado pelo deputado federal Fernando Ferro (PT-PE), em discurso na Câmara dos Deputados, quando sugeriu que Arnaldo Jabor fosse o presidente desse partido não oficializado junto ao TSE. Aliás, eu acho que o Ferro deveria ser convidado de honra do Encontro.
**Historicamente, as conferências setoriais, desde a I Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1941, são espaços para canalizar discussões e propostas da sociedade brasileira e levá-las às esferas do Estado. Em qualquer área, o empresariado possui acesso direto e privilegiado aos agentes dos poder público e não precisa se submeter a processos participativos e horizontais como as conferências. Esse caráter popular foi desvirtuado na Confecom, com a participação – de forma superdimensionada, aliás – das grandes empresas de comunicação. Vale lembrar que uma parcela destas emrpesas, liderada pela Abert, tentou de tudo para evitar a realização da Confecom, mas não conseguiu, o que resultou no seu abandono. E a parcela que permaneceu no processo só aceitou participar depois de impor condições que foram, na prática, chantagens para que a conferência não fosse “implodida”. Mas esta é apenas a minha opinião.
Rogério Tomaz Jr.
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