domingo, 22 de agosto de 2010

UM TEXTO QUE MERECE SER LIDO

                         Acima, o presente que o Jabour ganhou do PIGPô, Jabor, vamos ouvir uma musiquinha!

Sanguessugado do Quem Tem Medo do Lula
 Arnaldo Bloch* 



Prezado xará Jabor, estava lendo dias atrás sua coluna sobre os arrepios que vem sentindo diante do cenário eleitoral (com Serra ou com Dilma, uma grande cilada nos aguardaria!), e dos perigos de nosso atual momento, no qual estaríamos cercados por forças que, de um modo ou de outro, nos levarão às trevas da mais inexpugnável opressão. Jabor, eu aqui declaro: ao contrário de você e de tanta gente à minha volta, ainda não escolhi meu candidato.
Que nem disse o Jards Macalé: “Meu voto é tão secreto que eu mesmo desconheço.” Além disso, Jabor, não sou analista situacional nem tenho a sua bagagem em vivência de processos políticos traumáticos. Nasci em 1965, meus pais não eram ativistas, minha família não rezava por cartilhas muito libertárias.
Por motivos de superproteção materna maior, não frequentei os movimentos da esquerda sionista (pô, mamãe!). Fiquei mesmo
ali, na santa ignorância sobre o arbítrio e a violência do regime, até a sua abertura.
Entre um Dostoievski, um Kafka, um Hess e um Ionesco, abria os jornais locais e relaxava com os quadrinhos e os esportes. Achava Médici um velhinho simpático (o único defeito era ser Flamengo) e me emocionava com as paradas militares. Até hoje, quando ouço ruídos de helicóptero em domingo de sol, voltame aquela sensação de conforto alienado. E fico com um baita sentimento de culpa.
Em compensação, minha primeira grande emoção cívica esclarecida (até onde era possível ser esclarecido) foi de lavar a alma: a corrente das Diretas Já, a vigília, o comício do milhão na Candelária. O pano da censura baixou e eu bebia, no teatro, no cinema, nas artes, nos jornais, essa água nova do saber. Na faculdade, liberto do cerco familiar, integrei uma turma que já via como anacrônicas as “questões de ordem” dos veteranos engajados e, ao mesmo tempo, negava as ondas de caretice da direita tecnocrática que se insinuava na arena do movimento estudantil.
Sabe, Jabor, gosto muito da sua verve e aprecio seu alarmismo quando ele traz junto uma autoironia redentora, uma confissão da própria paranoia, um reconhecimento do pathos do seu discurso, aquela coisa do bode preto, do seu bode preto, estar sempre à espreita. Mas ao tomar o trem de seus arrepios recentes, confesso que senti também um arrepio, provocado pelo seu desencanto e pela
sua desesperança no povo brasileiro. Bati na folha do jornal e disse: não, não e não! Não vou crer que os tais 80% de Ibope a que você se refere sejam compostos de uma substância humana miseravelmente iludida, incapaz de contemplar o andar da carruagem, desprovida de qualquer juízo. O brasileiro tem lá suas carências de educação e de proteína, mas não consigo, não consigo mesmo, ver esse povo, passadas duas décadas e meia do início da re- democratização, caminhar no escuro, ou na direção do abismo.
Vejo, sim, um país que, por obra do eleitor, levou Collor, FH e depois Lula ao poder e que, através de suas escolhas, certas ou erradas, deu um belo passo no sentido da consolidação do tal processo democrático. Olha Jabor, não vejo encanto em nenhum dos candidatos.
Não é, aqui, uma questão de preferência, mas de referência. Talvez por ser um filho da ignorância que de repente acordou na grande virada; ou talvez por ser menos marcado por convulsões radicais eu tenha esta percepção positiva. Por outro lado, há fatos a apoiá-la:
independentemente dos desmandos desse ou daquele, dos equívocos, das apropriações de ideias, há uma verdade indiscutível: não veio a ruptura institucional que tantos temeram.
O Brasil foi, e é, maior que Lula, maior que FH, que Dilma, que Serra, que os Arnaldos, os jabores e os blochs. O Brasil é esse bêbado equilibrista que não caiu. Que estabilizou a moeda e a manteve estável. Que não fechou o Congresso. País onde as instituições e os meios de difusão de informação têm lá suas turras, mas a imprensa está aí, dialogando com a sociedade e com as esferas políticas em meio à transformação revolucionária, para o bem e para os males, que ocorre na tecnologia. Sei lá, Jabor. Essa sua ideia do perigo iminente — ou será imanente? — me lembrou
um pouco a Regina Duarte em 2002, dizendo que íamos mergulhar na hiperinflação.
Não vamos mergulhar em nada, nem a curto nem a médio prazo. Acho, sim, que o homem, num âmbito global, tem questões fundamentais a resolver sobre sua relação com o meio ambiente, com os recursos, com sua distribuição. O Brasil, por outro lado, vejo mais como uma nação que cresce do jeito que uma sociedade democrática recente (onde vigora, incontestável, e mais do que nunca, o capitalismo) consegue crescer. Um país com um passado pleno de conflitos, estruturas ainda muito viciadas, que evolui.
Os arrepios que venho sentindo, Jabor, são de ordem sensorial, no sentido do belo. Arrepios ao tocar um pianinho. Ao sentir o vento
dourado de poente invernal varrer da cuca o bode preto. Arrepio dessa aragem boa que qualquer um, no carro, no asfalto, no morro,
pode sentir, irmanando-se. Arrepio com um romance filosófico da lavra de “Paisagem com dromedário”, de Carola Saavedra. Arrepios de bicicleta. Da crença súbita no amor. E no amor ao Brasil. Ao que somos. Ao que fizemos até aqui. Na boa, Jabor. Pô. Vamos ouvir uma musiquinha. Dar uma respirada.


*Saiu no jornal "O Globo" de ontem, 21 de Agosto de 2010. Sim, no jornal "O Globo". Há muito tempo que eu não fazia isso, mas este texto merece leitura.


fonte: blog Gilson Sampaio


comentário do Brasil's news:  Caro Arnaldo, o Bloch, não o Jabour, o seu xará não tem um bode preto amarrado na sala por estar desiludido, temeroso ou por acaso. O bode dele é calculado, proposital. Ele não emburreceu de uma hora para a outra. Se ele fosse um cineasta criativo e ativo (como  tentou ser no passado), se tivesse obras em ritmo de produção, fruto de sua criatividade e competência talvez não estivesse nesse time. Mas ele estava (e ainda está) no ostracismo como cineasta até que a rede globo o resgatou da sargeta, pagou-lhe um (com certeza) bom salário e o mandou a campo para escrever e dizer essas baboseiras. Não estou dizendo isso por ele falar mau de Lula e de Dilma. Estou dizendo isso por que ele faz isso o tempo todo, sem trégua e sem direito ao  contraditório. Como já disse que ele não ficou burro de uma hora para a outra, então um intelectual, como ele se diz ser,  teria que agir diferente, como você o faz tão bem ao dizer que não tem o seu voto decidido e não se encanta com nenhum dos dois candidatos. Não, caro amigo, o bode do Jabour foi comprado e custou caro.

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