Artigo do leitor do GLOBO Silvio Teles
O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, reacendeu a polêmica, recentemente, acerca da legalização dos jogos no Brasil. Para ele, precisamos "deixar de demagogia" tanto no caso dos jogos de azar, como no caso do aborto. Dias antes, Cabral, tentando justificar a legalização do aborto, questionou à platéia que ouvia seu discurso "quem nunca teve uma namoradinha que precisou abortar?"
Aliás, quanto a essa questão do aborto, abrindo um parênteses, se eu estivesse lá no evento, levantaria a mão para negar o governador. Aliás, acho que eu e a maior parte dos meus amigos e conhecidos. Grande parte da população, certamente, não precisou recorrer a um aborto para se livrar de um filho indesejado. Foram péssimos o argumento e o exemplo. Um raciocínio que desprezou o cerne da controvérsia de proibir ou liberar o aborto, cerne que está menos atrelado à necessidade de quem quer se livrar de uma gravidez indesejada e com o próprio direito de viver da criança.
Voltando à outra polêmica que Cabral tornou a abraçar, sobre o jogo, concordo com o governador. A atividade do jogo, em si, não é nociva. Aliás, tanto não é que o Estado usa e abusa, por exemplo, das loterias federais e estaduais. Ou, ainda, autoriza grupos comerciais e financeiros a arrecadarem fundos, por meio de jogos e sorteios, como a promoção da manteiga, do xampu, do torpedo, Papa Tudo, Tele Sena, entre outros.
Toda a atividade em que se deposita um certo valor - seja pela compra do rótulo de um produto, seja pela compra de fichas ou bilhetes - e depende da sorte para ver compensado, ou não, o seu investimento, é um jogo de azar. A pergunta é: por que tantos são liberados, enquanto outros são abominados? Por que eu posso ir até a loteria e trocar algumas moedas por uma Raspadinha, mas não posso depositar essas mesmas moedas numa máquina caça-níquel? Monopólio estatal, esse seria o argumento?
Os mais ardorosos defensores da proibição do jogos de azar se apegam a razões como a lavagem de dinheiro que essa atividade possibilita, a formação de grupos ou máfias, a vinculação do jogo com outras práticas ilícitas (drogas e armas), a vitimização de pessoas hipossuficientes, o vício, a ruína e a desestrutura familiar. Para estes, a proibição do jogo de azar serviria para evitar que acontecessem tais situações. Mas em que mundo vivemos?
Todas essas mazelas já ocorrem, estando ou não, o jogo proibido. Na verdade, a proibição apenas acentua o caráter clandestino da atividade, e o Estado, por interesse, negligência ou ineficiência, fica impedido de Intrometer-se, de verdade e profundamente, em seu funcionamento, nas engrenagens que movem tais atividades, como faz com os jogos de azar de que é titular ou concessor.
Uma mesma atividade não pode ser tão boa a ponto de ser incentivada, como são os mantidos pelo Estado ou por ele autorizados, e tão ruim, objetos de matéria penal, como aqueles que fogem ao seu poder de controlar. O Estado não pode mais continuar a se comportar sob a lógica de que, aquilo que ele não tem competência para controlar, deve ser proibido ou criminalizado, como ocorre com as drogas arbitrariamente ditas ilícitas, por exemplo.
Tenho certeza que, com uma regulamentação adequada, que fixe, entre outros parâmetros, margem de lucro máximo para as empresas desenvolvedoras dessa atividade, cadastro e perfil de usuários para fins de limitação de crédito a investir (como fazem os bancos), origem e destinação dos recursos, tarifação pesada sobre a atividade e destinação social de parte dos rendimentos, os jogos de azar seriam mais uma fonte de arrecadação.
Em vez de ser visto como um problema, estaríamos diante de mais uma atividade produtiva. Teríamos a legitimação regrada de uma atividade que, antes de mais nada, é cultural, desfazendo o paradoxo estatal que demoniza uma prática na qual ele é doutor.
Fonte: blog Casa da Çogra
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