Rodolpho Motta Lima
Quem não se lembra da crônica política de dois anos atrás que,
diante da iminência da vitória da candidata Dilma Roussef, rotulava-a
como inexperiente, pronta para ser engolida, seja pela previsível
subserviência ao que seria o seu inventor (Lula) seja pela matreirice
corporativista de um congresso formado basicamente por raposas da
política, por aproveitadores e fisiológicos? Quem não se recorda do
conceito de “pau mandado” que lhe tentaram impingir em relação ao
ex-presidente, eminência parda para quem a presidenta eleita apenas
esquentaria o lugar para um hipotético retorno do líder petista?
Um mínimo de honestidade dessa turma de críticos, alicerçada nos atos
e fatos que vêm marcando o governo Dilma, já deve estar mexendo com
determinadas convicções então levantadas, ao menos por parte dos
realmente bem intencionados. E não é por acaso que mesmo alguns setores
da mídia que se pautam permanentemente pelas tentativas de
desestabilizar o poder constituído pelo povo, mesmo esses estão mais
cautelosos nas observações e análises sobre as posturas da Presidenta,
que hoje desfruta dos mais altos índices de aceitação conferidos nos
últimos anos a um mandatário nacional. E então, claro, voltam suas
baterias para o Lula, contando com a cumplicidade de alguns golpistas e
de muitos figurões da República... E elegem o “mensalão” petista (que,
diga-se, tem mesmo que ser julgado e, se for o caso, punido) como o
nosso mais sério delito de corrupção, esquecendo o seu irmão gêmeo
mineiro, a compra de votos para a reeleição, as denúncias da Privataria
Tucana e tudo mais que, em nosso país, está se transformando numa
cachoeira, ou, se quiserem, numa enxurrada. Mas esse é um outro
assunto...
A Presidenta não titubeou no caso dos ministros que se viram
envolvidos em denúncias de malversação, tráfico de influência ou coisas
do gênero. Com sabedoria de estadista, administrou as crises – que
muitos pretendiam avassaladoras – e deixou que o bom senso (ou o rabo
preso) dos envolvidos encaminhasse as soluções de afastamento. Recusou o
rótulo pejorativo de faxineira, e afirmou-se pela sobriedade e
seriedade com que foi equacionando os problemas. Nas substituições que
fez, deixou clara uma posição de independência em relação a muitos
interesses da sua própria base política de apoio, apostando no técnico
contra o político, na eficiência contra a demagogia.
É bem nítido que o nosso sistema político de composições para a
malfadada “governabilidade” tem impedido muitas vezes a Presidenta de
fazer valer seus propósitos. Mesmo assim, até pelas reações corajosas de
Dilma, poucas vezes a sociedade brasileira pôde perceber tão
claramente esse jogo espúrio de pressões e contrapressões que ainda
marcam o cenário nada republicano de nossa política.
De qualquer forma, a Presidenta vem impondo sua marca, cada vez mais
particular, na condução de assuntos que, embora de interesse de todo o
povo brasileiro, são (ou eram) tidos como intocáveis. Um deles: os
juros cobrados no sistema bancário. Dilma não economizou críticas – em
horário nobre e rede nacional – às exorbitâncias praticadas e não apenas
cobrou medidas da rede particular como usou os bancos oficiais como
elementos de concorrência, em uma linguagem que o “mercado” certamente
entende ...
A criação da Comissão da Verdade, acompanhada da verdadeira
profissão de fé da Presidenta, e a transparente Lei do Acesso, são
ações que, embora tardias, finalmente surgem agora como irreversíveis
conquistas da cidadania, marcas adicionais no perfil de estadista da
Presidenta.
Se Dilma não pôde – como queriam os ambientalistas – vetar totalmente
o escandaloso Código Florestal aprovado no Congresso, nem por isso
cedeu aos ruralistas naquilo que considerou mais relevante para a
preservação de nossas florestas e para a afirmação de princípios éticos
como o da não anistia aos grandes desmatadores.
São apenas alguns exemplos, dentre muitos, que justificam os números
que as repetidas pesquisas estão revelando. Agora mesmo leio nos
jornais a publicação, pelos Ministérios da Saúde e da Justiça, de lei
que criminaliza a exigência, por parte de entidades de saúde
particulares, de cheque-caução para atendimento médico de urgência,
tipificando a exigência como crime de omissão de socorro. Sabemos todos
da “caixa preta” que envolve esse e outros assuntos ligados aos planos
de saúde.
Evidentemente, nem tudo são ou serão flores no âmbito federal. Há
muitos desafios pela frente. Dilma reafirmou em recente pronunciamento
que seu compromisso é com o crescimento econômico do país, com inclusão
social e sustentabilidade.
Lamentavelmente, a permanente tentativa
dos nossos partidos de fazer valer a política do “toma lá dá cá” não
são práticas que desaparecerão em um repente, por milagre ou por
espasmo. Dilma, nesse âmbito, às vezes tem que empenhar-se em dobrar
alguns dos seus próprios companheiros de partido...
Mas o caminho da Presidenta, esperamos todos, deve ser o do enfrentamento do fisiologismo reinante. Aproveitando-se dos exitosos
índices que o país vem revelando no cenário mundial – que garante aos
brasileiros uma relativa tranquilidade em meio à crise geral - penso que
está na hora de fazer valer sua merecida popularidade para trocar,
gradativamente, o comprometido apoio de políticos discutíveis pelo
indiscutível apoio popular. Nas ruas, se for o caso, quando necessário,
na velha tradição das grandes causas públicas.
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