quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

VALE À PENA REVER: "VÁ PENSIERO" RICARDO MUTI CONTRA A DEGRADAÇÃO DA ITÁLIA DE BERLUSCONI



Escrito por movimento.com em 25 ago 2011 nas áreas Notícia
No dia 12 de março desse ano, noTeatro dell’Opera em Roma, ao apresentar a ópera Nabuco de Verdi, em comemoração dos 150 anos da unificação da Itália, Riccardo Muti deu um exemplo de civismo.
Demonstrou quanto o povo (no caso a plateia) está insatisfeito com o que ocorre na política italiana (Berlusconi estava na plateia). O que ocorreu nesse dia deve servir de exemplo para todos nós que estamos fartos de tanta politicagem, tanta corrupção e de tanta roubalheira. Gostaria de estar lá para presenciar o que aconteceu e que está no vídeo cujo link está no final dessa postagem.
A ópera Nabuco foi escrita por Giuseppe Verdi no final do século XIX, quando a Itália ainda estava sob o domínio da dinastia dos Habsburgos (a quem combateu até a sua unificação). Por isso o coro “Vá pensiero” apesar de se referir aos judeus escravizados na Babilônia, se tornou, vamos dizer assim, o grito de guerra que simboliza a busca pela liberdade do povo italiano. Essa relação entre o que se canta na ópera e o sentimento de liberdade, o clamor por justiça e o patriotismo italiano persiste até os dias de hoje.
Riccardo Muti em entrevista ao Times relatou:
“Naquela noite ocorreu uma revolução velada. No início houve uma grande ovação do público e logo começamos com a ópera. A apresentação se desenvolveu normalmente até que chegamos ao canto famoso “Vá pensiero”. Imediatamente senti que a atmosfera do público se tornava tensa. Existem coisas que não se pode descrever, porém ela é sentida. Era o silêncio intenso do público que se fazia sentir. No momento em que as pessoas se deram conta que começava o Vá pensiero o silêncio foi de verdadeiro fervor. Se podia sentir a reação visceral do público diante dos lamentos dos escravos que cantavam: “Oh, patria mia, si bella e perduta …”. Quando o coro chegou ao final ouvi do público pedidos de bis. O público começou a gritar: “Viva Itália!”, “Viva Verdi”, “Longa vida à Itália”. E as pessoas das galerias começaram a jogar papeletes com mensagens patrióticas. Eu não queria fazer apenas um bis. Teria que haver uma intenção especial para fazê-lo”.
Porém o público já havia despertado os sentimentos patrióticos do maestro. Com um gesto teatral, Muti se vira, olha para o público e para Berlusconi e diz:
“Sim, estou de acordo com o Viva a Itália, absolutamente! Não tenho trinta anos e, como italiano que tem percorrido o mundo, estou muito pesaroso com o que está se passando no meu país. Então vou aceitar o vosso pedido de bisar o Va pensiero. Não o faço apenas por razões patrióticas, mas porque esta noite enquanto o coro cantava “Oh, minha pátria, tão bela e perdida” pensei que se continuarmos assim, matamos a cultura sobre a qual está assentada a história da Itália. Neste caso, verdadeiramente, a nossa pátria estará “bela e perdida!”.
Nesse momento ouve uma enorme ovação, inclusive dos cantores e dos membros da orquestra, saudando as declarações de Mutti. Uma forte emoção tomou conta do ambiente. Após acalmar a platéia Mutti prosseguiu:
Já que aqui reina um clima italiano, verdadeiramente italiano, e que frequentemente eu Muti (faz um trocadilho com mudo), tenho falado aos surdos durante tantos anos, gostaria agora que fizéssemos uma exceção, na nossa própria casa, o teatro da capital, com um coro que cantou magnificamente e uma orquestra que o acompanhou muitíssimo bem. Proponho pois, se quiserem unir-se a nós, que cantemos todos juntos.
Seguiu-se um novo, febril e caloroso aplauso que selou essa aliança: povo – coro – orquestra – maestro.  Tranquilo Muti ainda recomendou: “Mas, a tempo, está bem?!”.Fez sinal para a orquestra e para o coro e começou a reger platéia, orquestra e coro. O momento que se seguiu foi de uma extraordinária empatia, quando um “coro” de 1.300 vozes da platéia interpretou o Coro dos escravos. Muti, quase de costas para o palco, regeu um povo que demonstrou um espírito patriótico intenso. A platéia permaneceu de pé, os atores também em pé se puseram, toda a ópera de Roma se levantou! Momento mágico!
O final dessa apresentação única seria igualmente indescritível. Percebe-se a emoção do público e dos atores, todos de pé! Lágrimas aparecem e são secas com a manga das vestimentas. Ocorre um aplauso interminável enquanto dos camarotes desciam voando papeletes com mensagens: Viva Giuseppe Verdi, Viva a Itália, Parabéns Itália, Itália ressurge na defesa da cultura, outros mais e até alguns que diziam: Riccardo Muti, senador vitalício …
E essa apresentação de Nabuco seria ainda ovacionada por mais dez minutos!!!
Vejam vocês leitores desse nosso blog isso ocorreu em Roma, capital italiana, num teatro italiano, na apresentação de uma ópera italiana, dirigida por um maestro italiano, perante uma platéia de italianos. Porém, a lição que se tira desse momento memorável é universal.
Temos sofrido sob um governo de iletrados que além de não propiciar o que manda a Constituição (saúde, justiça e segurança) menospreza a cultura e o futuro dessa nação. Isso sem falar na corrupção que grassa em todos os níveis de governo (roubam-se bilhões num, milhões noutro e milhares nas prefeituras).
Vale a pena assistir o vídeo pois, durante um quarto de hora, temos uma emocionante demonstração de civismo com a qual devemos aprender.
Abraços!
Cezar Lorenzini
* O maestro Riccardo Muti havia feito um “encore” da canção apenas uma vez no La Scalla de Milão em 1986, pois para ele a ópera não deve sofrer interrupções.


Vá pensiero:
Va’, pensiero, sull’ali dorate,
va’, ti posa sui clivi, sui colli,
ove olezzano tepide e molli
l’aure dolci del suolo natal!
Del Giordano le rive saluta,
di Sïonne le torri atterrate.
Oh mia patria sì bella e perduta!
Oh membranza sì cara e fatal!
Arpa d’or dei fatidici vati,
perché muta dal salice pendi?
Le memorie nel petto raccendi,
ci favella del tempo che fu!
O simìle di Sòlima ai fati,
traggi un suono di crudo lamento.
Oh! T’ispiri il Signore un concento
che ne infonda al patire virtù!
Che ne infonda al patir,
al patire virtù.
Che ne infonda al patir,
al patire virtù.
Al patire virtù!

Traduzindo (se é que é possível traduzir essa canção):
Voa, pensamento, com tuas asas douradas;
voa, pousa-te nas encostas e no topo das colinas,
onde perfumam mornas e macias
as brisas doces do solo natal!
Cumprimenta as margens do rio Jordão,
as torres derrubadas de Jerusalém…
Oh minha pátria tão bela e perdida!
Oh lembrança tão cara e fatal!
Harpa dourada dos grandes poetas,
porque agora estas muda?
Reacendas as memórias no nosso peito,
fale-nós do bom tempo que foi!
Como Sòlima fez com o destino
traduz em musica o nosso sofrimento,
deixa-te inspirar pelo Senhor
porque nossa dor se torne virtude!

Extraído do blog http://cezarlorenzini.com.br

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