O jornalista Paulo Nogueira, do Diário do Centro do Mundo, compara duas charges feitas sobre o drama de Santa Maria. Enquanto Carlos Latuff soube, com arte, ironizar o comportamento dos meios de comunicação na cobertura do caso, Chico Caruso, do Globo, fez uma peça que merece ser esquecida, com uma piada sem graça envolvendo a presidente Dilma e as vítimas do holocausto na boate Kiss
Por Paulo Nogueira, do Diário do Centro do Mundo
Fazer charge num drama como o de Santa
Maria é uma tarefa para poucos.
É fácil fazer bobagem, e é difícil fazer
coisa boa.
Na tragédia de Santa Maria, tivemos as
duas situações. O cartunista Carlos Latuff, que se celebrizou no Brasil
há pouco tempo depois de ser acusado de antissemita, brilhou.
Latuff ironizou o abominável
comportamento da mídia diante de calamidades como a da casa noturna Kiss. Um
repórter tenta extrair palavras de um familiar da vítima no enterro, numa
exploração abjeta da dor alheia.
Clap, clap, clap. De pé.
Latuff deu voz a milhões de brasileiros
que somaram à tristeza pelas centenas de mortes a indignação pela atitude de
jornalistas que não respeitam a dor alheia e simulam, como canastrões, uma dor
que não sentem.
O lado B veio com Chico Caruso, no Globo.
Ele fez uma prisão em chamas, na qual ardem as pessoas ali dentro e da qual se
exala uma fumaça sinistra. Dilma, sempre Dilma, observa de longe e exclama:
“Santa Maria!”
Era para rir? Os leitores acharam que
não. Mas viria uma segunda etapa. Numa decisão estapafurdiamente
incompreensível, Ricardo Noblat republicou a charge em seu blogue com o
acréscimo da palavra “humor”.
A reação nas redes sociais foi imediata.
Caruso e Noblat foram simplesmente abominados. No próprio blog de Noblat, os
leitores manifestaram repúdio. Um deles notou que a dupla conseguiu unir
petistas e antipetistas na mesma reprovação torrencial a Noblat e Caruso.
Noblat defendeu Chico Caruso, e sobretudo
a si próprio, em linhas antológicas: quem não gostou da charge, foi o que
ele essencialmente disse depois de uma cômica interpretação do desenho,
não a entendeu. Os leitores são burros, portanto.
Tenho para mim que parte da raiva se deve
ao fato de ambos estarem fortemente identificados com a Globo. Alguma coisa da
rejeição que existe em boa parte da sociedade à Globo se transmite a seus
funcionários.
Mas a questão vai além. É complicado,
ficou claro, fazer charge decente para as Organizações Globo. A de Latuff
jamais seria publicada pelo Globo. O espesso conservadorismo da empresa acaba
por ceifar a possibilidade de iconoclastia, de inconformismo de cartunistas da
Globo.
Se nas colunas políticas o reacionarismo
nos veículos da Globo não chega a chocar, porque é esperado, na charge aparece
como um estigma. De artistas se espera uma atitude diferente, mais arejada,
mais provocativa.
Caruso, nos anos 1980, se destacou como
um dos melhores chargistas de sua geração. Prometia mais do que entregou, é
certo, mas fez uma carreira boa.
Agora, vai passar para a história como o
autor da charge mais repudiada e mais infame da mídia brasileira em muitos anos
— em parte por um mau momento, em parte por carregar no peito o crachá
das Organizações Globo.
Fonte: Brasil 247
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