Neste terreno onde as coincidências se encontram amiúde e dizem “Olá” umas para as outras, Serra não incluiu a ACP na declaração de bens apresentada à Justiça Eleitoral em 1994, 1998 e 2002. O endereço, aliás, também acolheu seus comitês nas campanhas eleitorais de 1994 e 1996.
Serra “mentiu para a Justiça Eleitoral, ocultando empresa e ligação com o Sr. Preciado”, registrou o Ministério Público Federal (MPF), quando investigava o relacionamento comercial do ex‑governador paulista e de seu contraparente. Como se fosse pouco, Serra escondeu também da Justiça Eleitoral sua vinculação com Vladimir Antonio Rioli, ex‑ diretor de operações do Banespa. Serra e Rioli foram sócios durante nove anos na Consultoria Econômica e Financeira Ltda., parceria que se manteve até 1995. E, mais uma vez, um sócio e uma sociedade de Serra foram sonegados pelo candidato à Justiça Eleitoral. Não é de hoje, mas desde 1965 que a lei eleitoral, buscando a necessária transparência, exige que os candidatos sejam honestos ao declarar seus bens para prevenir o enriquecimento ilícito por meio do assalto aos cofres públicos.
Serra escondeu o primo, mas por que esconderia Rioli? Sucede que, nesta senda de negócios obscuros, o sócio Rioli é mais uma conexão com Preciado. Vice‑presidente de operações do Banespa e pilotando as reuniões do comitê de crédito do banco público, Rioli liberou R$ 21 milhões para o primo do ex‑governador tucano. Realizado em 1999, o empréstimo, sem garantias legais, direcionado para a Gremafer e a Aceto, carregava “indícios veementes de ilicitudes”, segundo o MPF. Não se sabe se o financiamento foi pago.
Mas Rioli é muito mais do que um elo da cadeia entre Serra e Preciado. Ele desvela a vinculação de Serra com o ex‑tesoureiro do ex‑governador, Ricardo Sérgio de Oliveira. No labirinto em que se cruzam e entrecruzam os caminhos de Serra, Preciado, Ricardo Sérgio e outros personagens da era das privatizações, o percurso de Rioli é tão importante, que ele merece tratamento à parte.
Pivô de negócios nebulosos, em que invariavelmente os cofres públicos perdem e os particulares ganham, ex‑arrecadador de campanhas eleitorais do PSDB e ex‑sócio de José Serra, o nome de Vladimir Antonio Rioli, hoje, evoca mais futebol do que política. É que, atualmente, uma de suas empresas, a Plurisport, empenha‑se em semear arenas esportivas Brasil afora, prevendo a demanda da Copa do Mundo de 2014. Torcedor do Palmeiras, Rioli envolveu‑se na modernização do velho estádio Palestra Itália. Além do clube do coração, arquiteta consórcios para erguer os novos estádios de Sport Recife, Botafogo (de Ribeirão Preto), Santo André, Remo, Tuna Luso e Paysandu. Seu passado, porém, persegue‑ o como uma sombra.
Rioli, 67 anos, sempre foi unha e carne com dois ex‑ministros de FHC. Um deles, José Serra e o outro, Sérgio Motta, ex‑titular da pasta das comunicações e um dos artífices da privatização do sistema Telebrás [41]. Bem antes da expressão “tucano”, em livre associação, vincular‑se à “privatização” e “neoliberalismo” no imaginário político nacional, Rioli, Serra e o falecido Serjão já eram amigos. Conviviam na Ação Popular (AP), uma das tantas organizações de esquerda dos anos 1960/1970 que peitaram a ditadura militar para mudar o
Brasil. Implacável, o tempo passou, os três mudaram e mudou também a
mudança que pretendiam fazer.
Em 1986, quando começou sua sociedade com Serra, Rioli envolveu‑se em desastroso negócio para a então estatal Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa). Sua consultoria, a Partbank, foi acusada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) de engendrar um contrato sem correção monetária em período de inflação galopante. No final das contas, a Cosipa acabaria perdoando parcialmente a dívida da siderúrgica Pérsico Pizzamiglio, de Guarulhos (SP). O prejuízo da Cosipa escalou o patamar dos US$ 14 milhões. Em 2005, caberia justamente à Pluricorp, de Rioli, assumir um plano de recuperação da indústria. Por ironia, a devedora Pérsico sobreviveu. A credora Cosipa foi privatizada em 1993 e absorvida pela Usiminas.
Nomeado, por indicação do PSDB, para a vice‑presidência de operações do Banespa em 1991, no governo Luis Antônio Fleury (PMDB), Rioli conquistou poderes para autorizar novos empréstimos mesmo para clientes endividados. Em 1999, foi condenado a quatro anos de prisão. Convertida em multas e prestação de serviços, a pena foi aplicada pela Justiça Federal que considerou sua gestão temerária. Apesar de pareceres contrários, Rioli emprestou US$ 326 mil à quase concordatária Companhia Brasileira de Tratores.
O lance mais impressionante de Rioli no Banespa incluiu um personagem recorrente desta trama: Ricardo Sérgio de Oliveira. Envolvendo o Banespa e com a cumplicidade de Rioli, Ricardo Sérgio trouxe de volta ao Brasil US$ 3 milhões sem origem justificada que repousavam no paraíso fiscal das Ilhas Cayman, no Caribe. Na CPI do Banespa, que investigou o escândalo, o ex‑governador Fleury espantou‑se com o fato. “É surpreendente saber que os tucanos conseguiram usar o Banespa para internar dinheiro durante o meu governo”, disse.
[41] Sérgio Roberto Vieira da Motta (1940‑1998), um dos fundadores do PSDB, tornou‑se personagem central no processo de aprovação da reeleição para beneficiar o então presidente e seu companheiro de partido Fernando Henrique Cardoso. Teria articulado a compra dos votos parlamentares — por meio de dinheiro ou concessões de rádio e TV — necessários à aprovação da emenda pró‑reeleição, segundo gravações obtidas e publicadas pelo jornal Folha de S. Paulo.
*Amaury Ribeiro Júnior. A Privataria Tucana. São Paulo:
Geração Editorial, 2011, pp. 238-239
Geração Editorial, 2011, pp. 238-239
Leia a Parte I
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