Pergunta é do jornalista Paulo Nogueira, titular do blog Diário do Centro do Mundo; foi feita nesta quarta-feira 20 após afirmação registrada pelo site Viomundo: "Certas perguntas têm a força de mil respostas, e este é um caso"; ex-redator chefe da revista Exame, Nogueira afirma que tratamento da mídia tradicional para hipotética associação entre filho de Lula e o homem mais rico do Brasil, Jorge Paulo Lemann, seria bem diverso do que está sendo dispensado para o caso real de união de interesses entre filha do ex-presidenciável tucano José Serra e o mesmo bilionário; não seria um massacre o que é agora, para os outros veículos, apenas um discreto pé de página?
247 – O jornalista Paulo Nogueira tem disparado para o Brasil comentários originais e ferinos a partir de Londres, de onde publica o blog Diário do Centro do Mundo. Pela expressão, suas colunas têm publicadas por 247. Agora, mais uma vez Nogueira faz uma reflexão que dá a seus leitores o que pensar.
Ele partiu de uma menção feita pelo site Viomundo, depois de mais um negócio feito pelo fundo de investimentos Inova Capital, que tem entre seus cotistas o homem mais rico do Brasil, Jorge Paulo Lemann, e a filha do ex-governador e sempre presidenciável do PSDB José Serra, Verônica Serra. O Inova, como 247 destacou em seu noticiário, comprou por R$ 100 milhões 20% da sorveteria Diletto, cujo faturamento anual é estimado pelo mercado em R$ 30 milhões no ano passado.
Tratado com ares de normalidade, sem merecer destaque na mídia tradicional, como seria encarado o negócio se, em lugar de Verônica, o sócio de Lemann no Inova fosse Lulinha, o filho do ex-presidente Lula que já foi alvo de uma capa e uma série de reportagens da revista Veja? Se fosse Lulinha o condutor de uma aquisição milionária às vésperas de seu pai indicar se concorre mais uma vez à Presidência da República?
Como registrou o Viomundo, certas perguntas valem por mil respostas. Com este mote, Paulo Nogueira lançou mão de suas lembranças como jornalista, inclusive como chefe da então estagiária Verônica Serra em Exame, para escrever o seguinte artigo:
PAULO NOGUEIRA
Certas perguntas têm a força de mil respostas, e este é um caso.
Um título do site Viomundo, trazido ao Diário pelo atilado leitor e comentarista Morus, merece reflexão.
E se o filho de Lula fosse sócio do homem mais rico do Brasil?
Antes do mais: certas perguntas têm mais força que mil repostas, e este é um caso.
Bem, o título se refere a Verônica Serra, filha de Serra. Ela foi notícia discreta nas seções de negócios ontem quando foi publicado que uma empresa de investimentos da qual ela é sócia comprou por 100 milhões de reais 20% de uma sorveteria chamada Diletto.
Os sócios de Verônica são Jorge Paulo Lehman e Marcel Telles. Lehman é o homem mais rico do Brasil. Daí a pergunta do Viomundo, e Marcel é um velho amigo e parceiro dele.
Lehman e Marcel, essencialmente, fizeram fortuna com cerveja. Compraram a envelhecida Brahma, no começo da década de 1980, e depois não pararam mais de adquirir cervejarias no Brasil e no mundo.
Se um dia o consumo de cerveja for cerceado como o de cigarro, Lehman e Marcel não terão muitas razões para erguer brindes.
Verônica se colocou no caminho de Lehman quando conseguiu dele uma bolsa de estudos para Harvard.
Eu a conheci mais ou menos naquela época. Eu era redator chefe da Exame, e Verônica durante algum tempo trabalhou na revista numa posição secundária.
Não tenho elementos para julgar se ela tinha talento para fazer uma carreira tão milionária.
Ela não me chamou a atenção em nenhum momento, e portanto jamais conversei mais detidamente com ela.
Mas ali, na Exame, ela já era um pequeno exemplo das relações perigosas entre políticos e empresários de mídia. Foi a amizade de Serra com a Abril que a colocou na Exame.
Depois, Verônica ganhou de Lehman uma bolsa para Harvard. Lehman, lembro bem de conversas com ele, escolhia em geral gente humilde e brilhante para, como um mecenas, patrocinar mestrados em negócios na Harvard, onde estudara.
Não sei se Verônica se encaixava na categoria dos humildes ou dos brilhantes, ou de nenhuma das duas, ou em ambas. Conhecendo o mundo como ele é, suponho que ela tenha entrado nacota de exceções por Serra ser quem é, ou melhor, era.
Serra pareceu, no passado, ter grandes possibilidades de se tornar presidente. Numa coluna antológica na Veja, Diogo Mainardi começou um texto em janeiro de 2001 mais ou menos assim: "Exatamente daqui a um ano Serra estará subindo a rampa do Planalto". (Os jornalistas circularam durante muito tempo esta coluna, como fonte de piada e escárnio.)
Cotas para excluídos são contestadas pela mídia, mas cotas para amigos são consideradas absolutamente normais, e portanto não são notícia.
Bem, Verônica agradou Lehman, a ponto de se tornar, depois de Harvard, sócia dele.
O nome dela apareceu em denúncias – cabalmente rechaçadas por ela – ligadas às privatizações da era tucana.
Tenho para mim que ela não precisaria fazer nada errado, uma vez que já caíra nas graças de Lehman, mas ainda assim, a vontade da mídia de investigar as denúncias, como tantas vezes se fez com o filho de Lula, foi nenhuma.
Verônica é da turma. Essa a explicação. Serra é amigo dos empresários de mídia. E mesmo Lehman, evidentemente, não ficaria muito feliz em ver a sócia exposta em denúncias.
Lehman é discreto, exemplarmente ausente dos holofotes. Mas sabe se movimentar quando interessa.
Uma vez, pedi aos editores da Época Negócios um perfil dele depois da compra de uma grande cervejaria estrangeira. Recomendei que os repórteres falassem com amigos, uma vez que ele não dá entrevistas.
Rapidamente recebi um telefonema de João Roberto Marinho, o Marinho que cuida de assuntos editoriais. João queria saber o que estávamos fazendo.
Lehman ligara a ele desgostoso. Também telefonara a seus amigos mais próximos recomendando que não falassem com os repórteres da revista. Ninguém falou, até mais tarde Lehman autorizá-los depois de ver os bons propósitos da reportagem.
A influência de Lehman sobre João Roberto se deve, é verdade, à admiração que Lehman e seu lendário Grupo Garantia despertavam na família Marinho.
Mas é óbvio que a verba publicitária das cervejarias de Lehman falam alto também. Um amigo me conta que em Avenida Brasil os personagens tomavam cerveja sob qualquer pretexto.
Isto porque as cervejarias de Lehman pagaram um dinheiro especial pelo chamado 'product placement', ou mercham, na linguagem mais vulgar.
O consumidor é submetido a uma propaganda sem saber, abertamente, que é propaganda. Era como se realmente os personagens tivessem sempre motivos para tomar uma gelada.
Verônica Serra, por tudo isso, esteve sempre sob uma proteção, na grande mídia, que é para poucos.
É para aqueles que ligam e são atendidos pelos donos das empresas jornalísticas.
O filho de Lula não.
Daí a diferença de tratamento. E daí também a força incômoda, por mostrar quanto somos uma terra de privilégios, da pergunta do site Viomundo.
Postado por O TERROR DO NORDESTE às 16:32
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